Fé, religião e contrastes

Adilson Roberto Gonçalves

 

Dia 15 de setembro foi o Dia Internacional da Democracia que pouco foi lembrado ou comemorado. Entendo que tal dia deveria ser como o dia do ar, indispensável à vida – no caso, social – que é. Nos grupos em defesa da democracia aos quais pertenço começou uma discussão sobre o que fazer para conter mais uma onda fascista, de extrema direita, que passa a minar as estruturas institucionais de nosso país. As eleições para o Executivo e Legislativo se aproximam e serão daqui a pouco mais de um ano e as perspectivas são preocupantes. Há várias estratégias, mas uma delas, necessariamente, passa pela imersão nos grupos religiosos.

A expressão da fé é defendida por nossa Constituição que, ao pregar um Estado laico, diz que todos têm o direito de expressar suas crenças não havendo uma em particular que possa dominar sobre as demais. Na prática, no entanto, passou a haver grupos de religiosos que combatem outras manifestações. Especialmente aqueles ligados a grupos neopentecostais evangélicos pregam a prosperidade pessoal e os embates religiosos, com foco bem evidente nos ataques a religiões de matriz africana. Nas atividades musicais escolares, seguidores da teologia da prosperidade não participam para não tocarem tambores, os quais seriam artefatos demoníacos.

Isso não quer dizer que todo crente é fascista. Longe disso! Conhecemos e convivemos com pessoas de muitas expressões de fé e não os vemos como criminosos. A esmagadora maioria não é criminosa, e quando o é, não é porque expressa uma ou outra fé.

Por outro lado, vemos também que os líderes religiosos não são tão inocentes assim e estão a serviço de um poder maior, poder terreno e político. Sim, somos todos políticos, mas que exerçamos nossas convicções à luz da democracia, não nos porões cibernéticos do fascismo. Em todas as eleições são verificados disparos em massa de líderes religiosos – além de outros agentes políticos – nas redes sociais conclamando os fiéis a votarem em certo candidato. São incontáveis os relatos daqueles que têm a convicção de voto, mas o mudam porque o “pastor mandou”.

Assim, foi interessante o pastor Luís Sabanay tecer uma análise, dentro da fé que professa, sobre “o uso do sagrado como ferramenta do fascismo” na Folha de S. Paulo, há algumas semanas (27/8), com o qual concordo em parte. Fé é experiência individual a ser respeitada e protegida. Mas a religião, pela natureza coletiva, é composta por dominados e dominantes. Todas, em maior ou menor grau, defendem um grupo privilegiado em detrimento a outros. Assim foram as justificativas para todo tipo de escravidão, de evangelização de indígenas, de impedimento de batismos, casamentos, etc e até de poder ser enterrado em campo santo, quando não professantes da fé imposta. Sempre houve uso da crença por governantes e o fascismo é o exemplo mais elaborado dessa prática. Por isso ações de esclarecimento são importantes nesses grupos. No balanço entre salvos e condenados pelas religiões, creio que as fogueiras falaram mais alto. E continuam falando.

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Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp – Rio Claro

 

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