A luta contra o HIV sempre foi marcada por avanços graduais, que transformaram uma doença antes associada à morte em uma condição crônica tratável e, sobretudo, evitável. Nesse caminho, a chegada da injeção preventiva de longa duração representa uma revolução não apenas científica, mas também social. No Brasil, desde agosto de 2025, o cabotegravir — comercializado como Apretude — já pode ser adquirido no setor privado, aplicado a cada dois meses. No horizonte, soma-se o lenacapavir, de aplicação semestral, recomendado pela Organização Mundial da Saúde. A promessa é clara: menos comprimidos, mais praticidade, maior adesão e, consequentemente, menos infecções.
A lógica é simples, mas poderosa. Em vez da PrEP oral diária — que exige disciplina e constância —, os antirretrovirais injetáveis liberam a medicação aos poucos, impedindo que o vírus HIV se replique no organismo. O cabotegravir, administrado bimestralmente, e o lenacapavir, semestral, oferecem alternativas de alta eficácia, com estudos comprovando taxas de proteção próximas da totalidade quando utilizados corretamente. Não se trata de uma vacina, mas de um bloqueio ativo e contínuo do vírus, garantindo que a prevenção esteja presente sem depender do hábito diário da pílula.
A grande conquista dessas injeções é a praticidade. Muitos usuários da PrEP oral relatam dificuldade em manter a rotina de tomar o medicamento todos os dias, seja por esquecimento, estigma ou até pela simples vontade de não carregar comprimidos na bolsa ou na carteira. As doses de longa duração reduzem esse peso e ampliam as chances de adesão, o que pode refletir em um impacto direto nas taxas de novas infecções.
Mas há também obstáculos. O preço atual do Apretude no Brasil é um deles: R\$ 4 mil por dose, valor que inviabiliza o acesso da maior parte da população. O lenacapavir, quando chegar ao mercado, provavelmente terá custo ainda mais elevado. Esse cenário reforça a desigualdade entre quem pode pagar e quem depende do Sistema Único de Saúde (SUS), onde o tratamento ainda não está disponível. A questão do acesso, portanto, se torna tão crucial quanto o avanço científico.
É fundamental destacar que a prevenção medicamentosa não dispensa o acompanhamento médico, a testagem regular e a atenção a outras infecções sexualmente transmissíveis. A prevenção combinada — que inclui preservativos, testagem frequente, tratamento das pessoas vivendo com HIV e agora também as injeções de longa duração — deve ser vista como um conjunto de estratégias e não como uma solução isolada.
Além disso, é preciso combater o equívoco de considerar essas injeções uma “cura” ou mesmo uma “vacina” no sentido clássico. Elas não induzem resposta imune, apenas criam uma barreira farmacológica contra o vírus. O entendimento correto do tratamento é tão essencial quanto sua aplicação.
Estamos diante de um dos maiores avanços desde a introdução da PrEP oral. O desafio, agora, é transformar essa inovação em política pública, garantindo que não seja privilégio de poucos. Assim como aconteceu com os coquetéis antirretrovirais nos anos 1990, é necessário lutar pela inclusão das injeções de longa duração no SUS, pela redução de preços e pelo acesso universal.
O HIV continua sendo um problema de saúde pública que exige ciência, mas também vontade política e consciência social. A ciência nos mostra o caminho; cabe à sociedade e ao Estado garantir que esse caminho seja percorrido por todos. Se quisermos, de fato, reduzir as infecções e caminhar rumo a um futuro sem AIDS, precisamos enxergar a injeção preventiva não apenas como uma inovação farmacêutica, mas como uma ferramenta de justiça social.