República à brasileira

Júlio Vasques Filho

 

 

Quando se diz que não existe democracia no Brasil a contestação veemente que em geral se ouve é: como não? Não é o povo que elege os governantes?  São várias as abordagens sobre esse assunto que se contrapõe a tal contestação.  Em seu Art.1º, nossa Constituição declara que “A República federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel de Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito…”Mas o que realmente isso significa?

Os conceitos de República e de Democracia surgiram mais ou menos na mesma época, no começo do século VI a.C, em Roma e em Atenas respectivamente. A partir daí, entre marchas e contramarchas essas duas formas libertárias de organização política foram se alternando na história da humanidade com modelos totalitários, mas ganhando cada vez mais espaço entre os povos tidos como mais civilizados. Entretanto, passados mais de 2.500 anos desde que foram adotadas tais ideias, ainda não estão muito claras para muita gente que diferenças ou semelhanças existem entre elas. Embora tenham ambas por objetivo substituir a monarquia, transferindo poder político ao povo, tais formas de organização política não são expressas por termos sinônimos. Interpretadas a partir de suas raízes, enquanto a ideia de Democracia surgia com seu foco posto na direção de dar ao povo o “poder de governar”, a de Republica o fez visando mais dar ao povo o “poder de participar da escolha de governantes e representantes políticos”; não havendo, portanto, dessa forma o risco da ocorrência de polissemia no uso desses vocábulos. Isto fica reconhecido por nossa Carta Magna, em seu artigo 14, quando juntando instrumentos pertinentes aos dois conceitos, institui que “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto com valor igual para todos (que são instrumentos da República –  adendo meu), e, nos termos lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular (que são instrumentos da Democracia – adendo meu). Não tomar, pois, por base a origem histórica desses dois conceitos, quando da adoção dos mesmos, atribuindo a eles um sentido impróprio, pode ser a causa da geração de sérias ambiguidades como a cometida pelo   presidente da república ao entender erradamente que “o conceito de democracia é relativo”; quando na verdade não é.

Não resta dúvida, portanto, que entender como sendo um país democrático aquele no qual os representantes políticos são eleitos pelo povo se trata, no mínimo, de um grave erro de semântica. Não obstante a forma errada como podem ser interpretados os conceitos de República e de Democracia, há ainda que se considerar de que forma são postos em prática os referidos conceitos no Brasil. No que diz respeito ao voto como instrumento republicano de escolha dos representantes do povo no governo é fundamental ficar claro que, nesse contexto, a eleição é um processo administrativo que deve ser conduzido obedecendo os cinco princípios básicos da Administração Pública presentes na Constituição Federal de 1988, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. É dessa forma que, quando da adoção do sufrágio universal, ficam implícitos não apenas o pleno direito de votar e ser votado de todos cidadãos elegíveis pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, mas, também, a garantia da correta e transparente apuração dos resultados. Isto posto, com relação às eleições de mandatários políticos no Brasil, há então 3 questões nas quais se pode questionar se os 5 princípios acima citados são respeitados, quais sejam: (1) o processo de votação, propriamente dito, se dá por digitação em urna eletrônica a respeito  da qual não há unanimidade, entre os brasileiros, sobre ser essa uma máquina “absolutamente infalível e inexpugnável”; (2) no processo de contagem não há registro físico de voto que sirva de contraprova, que permita que seja feita a conferência do resultado caso isso seja necessário; e (3) o valor do voto em eleições proporcionais (adotadas no Brasil) não é igual para todos, uma vez que quando um candidato X é eleito com menos votos do que o candidato Y, como é comum ocorrer em nossas eleições, isso significa, portanto, que os votos dos eleitores do candidato X tem maior valor do que os  dos eleitores do candidato Y.

Em vista disso, passa a ser discutível se nas eleições proporcionais se aplica o conceito de sufrágio universal, ou, se ao invés disso,  o de algum tipo de sufrágio restrito. Ironicamente, a reunião das iniciais das palavras legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência resultam na sigla “LIMPE”, mas parece que nossos ministros do STF e do TSE não perceberam.

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Júlio Vasques Filho, professor doutor aposentado da Esalq-USP

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