José Francisco Comenalli Marques Junior
O ano era 1967! O dia? Provavelmente uma segunda-feira, no final de fevereiro ou início de março. Com uma camisa branca engomada e cheirando a Omo, uma bermuda azul escuro, com meias 3/4 brancas e sapato mocassin preto, eu inaugurava uma nova rotina! De mãos dadas com minha mãe, saí de casa após o clássico café com leite e pão com manteiga. A casa ficava na rua do Rosário número 259, em Piracicaba. À frente, a Escola Industrial. Logo na primeira esquina, nós nos deparamos com algumas pessoas em frente ao bar do Moretti, onde sempre comprava o delicioso creminho da Martini!
O dono do bar, um italiano típico, baixinho e clarinho, disse em alto e bom tom:
– Acabou a mamata!!!
Todos riram, inclusive eu e minha mãe! Subindo um pouco mais, passamos em frente à Brivest, onde, dias antes, havia comprado a bermuda azul. À direita, na outra calçada, estava a Casa Muniz, onde minha mãe comprara, na semana anterior, o tecido branco que a costureira transformou em 2 camisas, com o nome “Júnior” escrito no bolso.
Mais alguns passos e novamente à direita, relembro a Sapataria do Seron, onde fui com meu pai comprar o mocassim preto, “de amarrar”. Durante 3 dias, meu pai conseguiu me ensinar a dar o laço! Aprendizado útil por toda a vida, inclusive profissional, pois uso a mesma técnica em suturas e cirurgias até hoje!
Chega a outra esquina. Também à direita, lá estava a antiga Padaria Aliança, onde uma hora antes, lá estara meu pai, permitindo que se anotasse na “caderneta” os pães quentinhos e o saquinho de leite que me tirou o jejum momentos antes! A caderneta era rosa! Não havia cópia! E se perdesse? Mas tinha que levar para anotar a compra e pagar tudo junto no final do mês! Chego ao Moraes Barros! Enooooooorme! Um quarteirão inteiro. Ouço o bonde passando, com o característico sino tocando. Parou e voltou a andar, evacuando mães, pais e crianças de mãos dadas!
É o primeiro dia? Sim, minha mãe responde à inspetora simpática que esperava a fugaz terceirização temporária diária da maternidade! É da classe da Dona Mariangela, completou minha mãe! Ele está tranquilo? Sim! Claro, né, Júnior! Minha resposta só podia ser uma! E foi essa mesmo, sem titubear! Um modesto… sim!
Então, tchau! E lá minha mãe me deixou! Para o início da minha socialização! Para a liberdade! Para o conhecimento! Para experiências, diversões, compromissos, evolução, maturação, desafios, esperanças, decepções, alegrias, tristezas, conquistas, paixões, desprezos e reconhecimentos! Tudo a seu tempo e lugar, incluindo os sonhos em ter um Karmann-Ghia, e não o Aero Willis azul escuro 1963 do meu pai, apesar de adorar passear nele!
As músicas que tocavam no Motoradio com faixas de Ondas Médias e Ondas Curtas (para emissoras de longe), até hoje me causam arrepio, sudorese e nó na garganta!
Em função da liberdade, também conquistei a sessão ZigZag no cine Politeama, às 10h dos domingos, após a missa das 9h na Igreja São Benedito!
Os invernos eram barulhentos nos jardins do Moraes Barros! Entre os berros das cigarras, nossa inesquecível diversão era estalar sob os nossos sapatos, as cascas secas das paineiras caídas ao chão! Há quem chame tudo isso de saudades! Ou de emoção! Eu prefiro chamar de vida! Plena! Cheia de saudades e emoção. Prá vocês, que também viveram!
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José Francisco Comenalli Marques Junior, médico especializado em hematologia, hemoterapia e terapia celular