Missiva

Alê Bragion

Amor(es). Escrevo esta pequena carta-crônica de amor com algumas décadas de atraso – e um tanto consternado com a minha demora. Mas hoje é sábado e tomei coragem para romper meu mutismo de amor para dizer, no verbo, que lhes amo – afinal, os amores esperam as flores dos sábados para se tornarem jardins.

Acreditem, amor(es). Minha demora declaratória apaixonada não é de todo culpa minha, não no não. Meu medo em receio vinha e veio das coisas que li e leio. Foi Pessoa, eu confesso, quem me pôs nas vistas do avesso a certa e vexatória partícula de que “todas as cartas de amor são ridículas” – e que “não seriam cartas de amor se não fosse ridículas”.

Compreende(m), amor(es)? Como amar na palavra, depois disso? Como revelar sentir no corpo da letra o desejo em explosão vocabular? Não me faltaram olhares gozosos em vernáculos eróticos. Não me foram ausentes na mente frases de lirismo convencional, versos banais de juras, orações em conjunção subordinativa dadas em completude. Confesso: um dia também escrevi (sob sigilo) coisas como “a mim me basta estar presente no seu esquecimento” e “meus amores são asas que voam sem mim”. Mas – depois de Pessoa – como tornar público meus deslizes de amor sem fim?

Não à toa, é claro, agora acho que talvez eu não tenha bem entendido Pessoa. Talvez a boa do amor e das cartas de amor seja realmente isso – a revelação (no macro e no micro) que escrever cartas de amor é, sim, deliciosamente ridículo. Por que, não? Basta um sábado pela manhã, um cheiro de café, a luz do sol aquecendo os cachorros que dormem no quintal. Basta uma tarde que anuncia a noite que já vem – com soturnidades veladas, ilusões de transbordamento, sonhos de toques, vibração.

Ai, amor(es). Abandonei, de repente, Pessoa em pessoa – e me exponho aqui inteiro em revelação epistolar (ridícula, é fato) de que amo você(s). (Agora me lembrei de Drummond, que escreveu: “essa lua, esse conhaque, botam a gente comovidos como o diabo”. No meu caso, é o sábado. Ao menos. Amemos).

Com o desejo de sempre,

Alexandre.

PS: na verdade, o que me despertou para tanto foi o lançamento do livro “Meu amor”, da artista Lídice Salgot, ocorrido na (amorosa) escola-galeria Bauhaus, na última quinta. Vale a leitura. Vale a descoberta indescoberta desses amores – feitos de palavra, tinta e história.

______

Alê Bragion é cronista desta Tribuna desde 2017.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima