Filhos do ódio

Junto ao arco-íris dos berços podem ter muitas zonas que as cortinas encobrem, uns mais graves, como o caso pessoal de Leslie, vulnerável, grávida, abortiva e assassina, presa por 53 anos.

Leslie, em cuja gravidez aos quinze anos, a mãe lhe forçou ao aborto e fez enterrar o feto no próprio quintal. Aos dezenove anos saiu de casa e ingressou na família Manson, comunidade que incorporava a contracultura hippie misturada ao racismo e neonazismo. Não era família natural deles, mas seguiam um fanático chamado Manson, um aliciador de pessoas emocional ou mentalmente perturbadas, e criou pânico em Hollywood e entre os californianos. A dita família sob as ordens nefastas de Charles e com requintes de crueldade assassinou alguns artistas e personalidades, em 1969. Pegos, escaparam da pena capital, mas não da prisão longa.

Os traumas familiares refletem na sociedade. Os crimes intrafamiliares, quase ocultos, por cumplicidade, chantagem emocional, medo, falso entretenimento, vergonha. Assim, nem todos procuram ajuda, mas resistem num silêncio de aflições.

De janeiro até abril foram detectadas 17.500 violações sexuais contra crianças e adolescentes registradas pelo Disque 100 (serviço oficial disponível para denúncias). As sevícias têm origem dentro de casa e, pasmem, os criminosos são pais, mães, padrastos ou tios dessas vítimas.

Os traumas de família podem refletir bem os crimes que vemos nos jornais e nos assustamos quando ocorrem, talvez vítimas repetindo em outros os traumas não superados, numa espiral de violência. Vítimas podem se tornar algozes, cometer delitos e ainda, alguns, apesar de desiquilibrados e sádicos, serem mentores ou mitos, como Charles Manson, a quem o tio espancava e abusava.

A família conservadora brasileira tem um viés do escravismo e de práticas desumanas herdadas, inclusive na correção de filhos que pode se estender à esposa. Essa grande família foi “limpa com espanador” e feita de modelo imaginário e único. Já não mais.

Quase metade, 48% das famílias brasileiras, em geral pobres, são chefiadas pelas mães. Benefícios de programas governamentais como o Bolsa-família não são confiados ao varão e, por motivos óbvios, à varoa.

Ao lado desses modelos expostos acima coexiste o da família homoafetiva, inclusive com adoções bem sucedidas de crianças por pais ou mães homossexuais, e crescendo rápida e assustadoramente nas estatísticas. A própria Igreja romana, que já foi pilar do moralismo irreconciliável, atenua a antiga rejeição no documento ‘A alegria do Amor’. Parece que é irreversível a aceitação da família homoafetiva.

É certo que aos poucos a família romana, cristã, do varão arrimo familiar, da união exclusiva de héteros, vai perdendo protagonismo e, no lugar, surgem famílias e conceitos diversos com relação ao homem, à mulher, ao sexo, à autoridade em construção e, principalmente, à expressão do amor cristão.

Camilo Irineu Quartarollo – Escrevente e escritor, ensaísta, autor de crônicas, historietas, artigos e livros

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