Sergio Oliveira Moraes
Segunda-feira sem um vinho, sem Elizeth na vitrola. Mas não esqueci, não esquecemos seu aniversário – seriam 108 no dia 3 de abril. A carta vai com atraso, o vinho e Elizeth, atrasados também. É que naquela noite eu estava na Câmara Municipal, 17a Sessão Ordinária de 2023. Valeu, pai! Valeu ter ido, valeu assistir ao vídeo depois, pois não pude ficar até o final (https://www.camarapiracicaba.sp.gov.br/projeto-que-altera-dinamica-das-reunioes-ordinarias-e-aprovado-60534). Aprendi muito, o senhor teria gostado também.
Os vereadores e vereadoras que puderam estar presentes à sessão e permaneceram no plenário na hora da votação nos deram um baita exemplo! Ponderaram, mostraram sensibilidade e humanidade – aprovaram o retorno da Tribuna Popular para o início da sessão. Parabéns e muito obrigado a todas e todos vocês! (Vale muito a pena assistir ao vídeo e na íntegra – não “só” para acompanhar a votação sobre o horário da Tribuna, mas toda a argumentação sobre o particular momento que vive nossa cidade. Não darei nenhuma dica, pai).
Na quarta-feira à tarde, uma reunião que o senhor – que nos ensinou a amar os livros – teria gostado também (e mamãe, que gostava de ler sobre espiritismo e gibis, também teria). Pular de Allan Kardec para “Jerônimo, o herói do sertão”, Tarzan, Mandrake, “Fantasma, o espírito que anda”. (Ao menos esse juntava “espirito” e “herói”, não o cavalo, que se chamava Herói, com todo respeito). É que fui a uma reunião na Biblioteca Municipal. Baita reunião! Fomos conversar sobre a proposta de um Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do Município de Piracicaba (o PMLLLB) – assim, com todas as palavras começando com maiúsculas, que todas merecem.
O senhor, que é do tempo da Biblioteca no Teatro Santo Estevão, não chegou a conhecer as atuais instalações, mas aprovaria. Num prédio concebido e construído para abrigar a Biblioteca Pública, nos encontramos em um anfiteatro para 100 pessoas. Que recepção gostosa, acolhedora, coisa de quem vive imerso em livros, acredito. Falam em tira a Biblioteca de lá, pai, e levá-la para o Engenho Central. Como, por que desfazer um ambiente feito para um propósito, arquitetura, localização e desfigurá-lo no igual? Nos barracões indistintos?
Que reunião gostosa, pai. Revi pessoas, conheci outras. Gostosura ouvir quem tem tantos cuidados com os livros nas bibliotecas, com os estudantes nas escolas públicas, com a Literatura. Passou rápido, hora da despedida, fotos, abraços, palavras de aconchego e muito, muito papo sobre livros. Elizeth na memória: “Ai, vontade de ficar, mas tendo que ir embora…”. Foi o segundo encontro, primeiro meu, vou te contando –pai.
Mas preciso falar da quarta-feira de manhã, pai. De crianças. Lembrou-me quando assistimos juntos ao filme “Por quem os sinos dobram” – com Gary Cooper e Ingrid Bergman, linda como sempre –, baseado na obra homônima de Hemingway. O senhor lembra se foi no Cine Palácio? No Politeama? Lembrei, naquela quarta-feira de cinzas tardia.
É que um dia procurei a origem da frase “Por quem os sinos dobram”e encontrei-a na obra “Meditações”, de John Donne, e reproduzo um trecho em tradução despretensiosa: “A morte de qualquer pessoa me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não me perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”. E foi essa sensação de ficar menor, apequenar-mediante do indizível, que me fez lembrar.
Agora um vinho, Elizeth na vitrola: “Esse beijo em meu rosto quem beijou?/A mão que afaga a minha mão/Esse sorriso que não vejo, de onde vem?”. Se achegue meiga presença. Um vinho?
Sergio Oliveira Moraes, físico e professor aposentado Esalq/USP