Superar o preconceito é um desafio. Quando se fala em cultura machista, que está no dia a dia da vida dos brasileiros, não é somente uma “força de expressão”, ou parte das palavras de ordem de movimentos sociais. Ela é uma realidade, nua e crua, que mata pessoas que não se enquadram nas orientações sexuais e identidades de gêneros que são normativas – leia-se: que são impostas. Por isso, é preciso falar, exaustivamente, sobre respeito; sobre aceitação; e sobre acolhimento.
O Grupo Gay da Bahia (GGB) realiza um trabalho muito importante de levantamento dos assassinatos e suicídios de pessoas LGBT+ que são publicados nos meios de comunicação. É interessante essa metodologia porque ela consegue dar um panorama geográfico, buscando informações que conseguem captar perfis destas vítimas. Nos casos dos homicídios, consegue também identificar as mortes que são violentas.
Uma matéria do jornal O Globo, publicada em janeiro deste ano, aponta que em 2022, segundo o GGB, 256 pessoas do grupo LGBT+ foram assassinadas ou cometeram suicídio no País – é como se atos destas naturezas acontecem a cada 34 horas. Na análise geográfica, este levantamento aponta que a região Nordeste é a mais inóspita, com 43,3% das mortes, ou 111 casos no ano passado.
A reportagem assinada pela jornalista Cleide Carvalho assinada, ainda, que se considerada a média nacional de 0,13 mortes por 100 mil habitantes, as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste registram o dobro da violência, com médicas acima de 0,2. Em comparação, Sul e Sudeste se situam abaixo da média, com 0,5 e 0,7 mortes violentas, respectivamente.
Em uma análise mais detalhista, a Bahia ocupa a primeira posição em números absolutos, com 27 mortes (10,54% do total). A seguir estão São Paulo (25), Pernambuco (20) e Minas Gerais (18). O levantamento mostra ainda que 155 municípios brasileiros registraram ao menos uma morte violenta de LGBT+ no ano passado.
O Grupo Gay da Bahia chama a atenção para a cidade de Arapiraca, em Alagoas, que registrou quatro mortes violentas. Com 230 mil habitantes, o município possui conselho municipal LGBT e realiza parada de orgulho gay há mais de 10 anos.
O levantamento indica que gays foram 52% das vítimas, seguidos pelo grupo formado por travestis e transsexuais, com 42,96%. A maioria das mortes foi de pessoas jovens, com idade entre 18 e 29 anos (43,7%). O GGB chama atenção que travestis, transexuais e transgêneros são assassinadas antes de completar 40 anos: das 110 vítimas, 83% morreram entre os 15 e 39 anos.
Há um outro componente que o levantamento do GGB consegue captar é que boa parte dos crimes demonstra ódio contra a população LGBT+, devido à brutalidade dos ataques. O fundador do GGB, Luiz Mott, afirma que é absolutamente inconcebível nossa sociedade civilizada conviver a barbárie de apedrejamento e esquartejamento de gays e travestis que somaram 12 casos.
Estas informações trazem à tona uma demanda muito recorrente nos movimentos LGBT+ que é a necessidade de que o Estado brasileiro invista em pesquisas e políticas públicas capazes de identificar e combater este tipo de violência, já que os levantamentos não são suficientes para indicar tendências ou explicações. “As mortes violentas no Rio de Janeiro diminuíram de 27 casos em 2021 para 12 no ano passado sem que tenha ocorrido qualquer mudança na segurança pública do estado que justifique a redução”, avalia Luiz Mott, do GGB.
Ele também avalia que existe um “movimento de conservadorismo”, mas ao mesmo tempo “temos muitos avanços nas conquistas e afirmações LGBT+”, diz, ao citar, como exemplo, a decisão do Supremo Tribunal Federal de criminalizar a homofobia e a transfobia com a aplicação do Lei do Racismo, lembrando que a Suprema Corte tornou o crime inafiançável e imprescritível, com pena de até três anos de prisão.
Nesta caminhada tortuosa, entre números assustadores e algumas conquistas, ainda vamos construindo, de tijolo em tijolo, uma sociedade que aprenda a respeitar as pessoas, independente de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero. É preciso, sem dúvida, que as leis sejam duras, mas, muito mais do que isso, também precisamos de transformações culturais, em que as pessoas LGBT+ não sejam relegadas a espaços marginais, sofrendo agruras simplesmente por ser quem são.
É dolorido, mas convivemos com as marcas de uma sociedade altamente preconceituosa, e vamos aqui, dentro do nosso espaço e no nosso limite, contribuindo neste trabalho de formiguinha que é levar informação e também acolhimento.
Paulo Soares, presidente do Caphiv (Centro de Apoio ao HIV/Aids e Heptatites Virais).