Lilian Lacerda
A morte de uma professora de 71 anos de idade, em exercício da sua profissão é no mínimo assustador. O trabalho docente não poderia – em nenhuma circunstância – ser tratado como um trabalho comum. Mas isso ocorre pois esta é uma sociedade ainda pauta o trabalho docente numa lógica fabril – que tem o ócio e o descanso como algo pejorativo, coisa de gente preguiçosa quando são ferramentas necessárias para a manutenção física, intelectual e emocional dos seres humanos.
A escola é um ambiente de concepções políticas e extremamente complexa. Assim, torna-se necessário compreender os fatores que caracterizam o exercício docente como um trabalho dotado de intensificação das relações interpessoais que mobilizam os chamados fatores psicossociais.
Podemos iniciar pelo desgaste físico. Mesmo não sendo uma exclusividade da profissão docente, todavia, o cansaço do corpo costuma ser amplamente negligenciado para esta categoria de trabalhadores. Isso se deve ao desconhecimento sobre o cotidiano da sala de aula: falar por horas pode causar calos nas cordas vocais; passar muito tempo de pé pode causar dores e danos à coluna; estar submetido a um ambiente altamente ruidoso pode acarretar irritabilidade e por aí segue. E, com tão baixa remuneração, o número é cada vez mais expressivo de professores se submetem a duplas jornadas expostos a essas condições. Não há possibilidades do corpo humano chegar integro após longos períodos de aula num único dia. Sim, a saúde do corpo do docente é negligenciada!
Outro fator importante a destacar é o desgaste emocional. Tão ou mais intenso do que o desgaste físico. Cobra-se que o professor realize acolhimento, estabeleça e mantenha vínculos com os alunos e as famílias, sempre com um sorriso no rosto. Cada dia chega à escola, sob a tutela do professor responsabilidades que não lhes são pertinentes: administrar medicação, cuidar da vacinação das crianças, lidar com os modales e comportamentos dos alunos e, tudo isso sob o crivo da aprovação ou reprovação da gestão e das famílias.
Sem contar como cansaço intelectual, natural ao final de um dia repleto de períodos depois de todos os tipos de adversidades. Além da corrida por realizar cursos para manter sua pontuação que é o que lhe garante uma posição um pouco mais confortável no momento de escolher sala/período para laborar.
Esses são alguns dos motivos pelo qual o magistério é considerado uma profissão de alto grau de stress com uma enorme insatisfação profissional – isso relacionado a baixa remuneração, condições de trabalho inadequadas, número excessivo de alunos por sala de aula, falta de capacitação, currículos defasados, sobrecarga de trabalho, patologias físicas e psíquicas – será que ainda podemos dizer que o professor labora por amor?
O professor labora nessas condições e por anos a fio pois o fosso social é imenso. Se esse profissional se der ao luxo de laborar meio período ou ainda, de se aposentar aos 50 anos, muito provavelmente passará fome. Se um profissional chega aos seus 70 e poucos anos ainda em sala de aula, não é – com toda certeza – por altruísmo ou por amor. É por necessidade.
As representações de envelhecimento, bem como as de corpo e saúde, são social e culturalmente construídas. E são pautadas numa lógica utilitarista, em relações mercantis que convidam o docente a desenvolver um trabalho alienado, vendendo sua força de trabalho sob condições que lhe são impostas ou sacrificando-se ao consumo de prestígio exigido pela lei do mercado.
Compreender a natureza do trabalho docente em sua articulação com a dinâmica social no contexto do avanço da globalização constitui um desafio, haja visto que o discurso neoliberal direciona as análises da realidade para a superfície dos fenômenos sociais o que dificulta a concepção do modo como se configura a exploração do homem e impede organização dos movimentos sociais coletivos.
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Lilian Lacerda, Psicanalista Clinica