PORQUE AMANHÃ É SÁBADO – Velhinho em folha!

Envelhecer nunca foi uma preocupação minha – até que, há poucos dias, me descobri velho. Ou melhor: envelhecer nunca foi uma preocupação minha até há poucos dias – quando as pessoas, ao que parece, me descobriram velho. O primeiro baque se deu na rua, em plena calçada da Governador: um conhecido a quem encontrei por acaso (um homem bem mais idoso que o idoso aqui, diga-se de passagem e em meu favor) me perguntou sem qualquer constrangimento, entre gentilezas e docilidades, se eu já havia me aposentado. Meio sem saber o que dizer, respondi que não – e que graças à reforma da Previdência do desgoverno que se foi eu ainda levarei (se chegar lá) por volta de uns dezoito anos para pendurar o que me sobrar das chuteiras (se algo delas também me sobrar até lá).

O segundo baque se deu no começo desta semana, num supermercado perto de casa (não vou dizer o nome dele porque não me pagaram “merchan”). Um velho conhecido dos tempos da extinta Unimep (não dessa que sobrou, semimorta, à espera da derradeira pá de cal), puxando conversa em meio às laranjas, maçãs e bananas do setor de hortifrúti (e é assim que os dicionários, em português, pedem que se escreva “hortifrúti”) quis saber se eu já havia feito sessenta. Com o orgulho inútil de quem sabe que “hortifrúti” é paroxítona terminada em “i” e, por isso, pede acento tônico nesse “i”, respondi fazendo troça (substantivo que só os velhinhos como eu usam, porque os ainda mais velhos preferem “pilhéria” ou “caçoada”): “tenho quarenta e sete, mas com corpinho de sessenta!” E afirmei: “estou velhinho em folha”.

Mandando às favas o politicamente correto, uma senhorinha que modorrava (olha aí um bom verbo antigo) ao meu lado, numa reunião da qual participei anteontem, numa sala fechada e sem ventilação, me fuzilou de repente com a seguinte observação (muito criteriosa, aliás): “esta sala ainda vai matar a gordos e velhos”. Dialoguei com ela dando apenas uma piscada cúmplice, revelando que sabia ter “lugar de falar” para preencher a ambas as categorias por ela estabelecidas (e uso aqui o conceito do “lugar de fala”, apesar de não concordar sem por cento com ele, só para mostrar que eu talvez não seja tão dinossauro assim). “O senhor já é um homem de meia idade, não é?” – ela resolveu saber (querendo talvez ocultar sua generosa preocupação com meu peso). “Faço cinquenta daqui a três anos. Estou na meia idade, sim”.  E truquei, valendo-me da boa filosofia piracicabana: “apesar de que eu conheço poucas pessoas que chegaram aos cem”.

Se idade e velhice (substantivo horroroso, politicamente incorreto e paradoxalmente velho) são coisas “da cabeça” – como se diz por aí para se aplacar a questão –, tanto bem me lembro que, em se tratando de cabeça, a minha é completamente calva desde os meus vinte e cinco, oras! Paciência! Da cabeça ou não, a questão é não sofrer feito Cecília Meireles ante o espelho, recitando: “eu não tinha este rosto de hoje (…), em que espelho ficou perdida a minha face”. Nada disso. A minha face não anda perdida coisa alguma – e está bem redondinha no espelho do banheiro de casa (reluzindo sua denunciatória barba branca, que disputa espaço com um bigode que resiste bravamente a tentar permanecer – ainda – quase preto. Eles que lutem.).

Na luta contra a idade que avança se viu também um bom e “velho” jornalista (escritor e memorialista) aqui da terrinha, certa vez (e essa eu pude ver in loco), numa palestra para crianças de uma escola ali na Regente Feijó (também não vou dizer o nome, mas essa é fácil). Ao ser chamado de “tio” por uma das crianças de dedo em riste e que lhe faria uma pergunta, o palestrante rebateu: “tio é a sua avó”. Talvez confuso com os novos graus de parentescos apresentados a ele, o menino desistiu de perguntar qualquer coisa. Quase na mesma linha, esta semana a super pop-star e funkeira Anitta foi chamada de “tia” por um homem que tentava desvencilhá-la também de algumas crianças que a agarravam pela perna. “Deixa a tia ir trabalhar”, disse ele – ao que a semideusa respondeu de pronto: “tia, nada! Não sou tia, não!”

Pobre deste cronista. Se até as semideusas e os célebres memorialistas estranham o olhar (e o dizer) dos outros sobre eles, quem sou eu para reclamar. Além do mais, e agora pensando bem, para dizer a verdade envelhecer até que não é tão ruim assim. (Talvez melancólico. Mas não tão ruim). Que nos iluminem, então, os memorialistas e as estrelas pop com seus exemplos. No fim das contas, já matutei aqui, se alguém hora desses acabar me chamando de “tio” – e que me perdoe a Anitta – só para tirar sarro vou responder “à ceciliana” (e à queima-roupa): “tio é a sua avó”.  Afinal, aos velhos (quase) tudo se perdoa.

 

  1. Bragion é cronista deste matutino desde 2017 – portanto, nem há tanto tempo assim.

 

 

 

 

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