O tesouro de um mandato (II)

Alex Gama Salvaia

 

No artigo anterior, apresentei uma reflexão sobre as oportunidades de atuação de um membro da Câmara de Vereadores. Neste, quero tratar da definição legal do papel do vereador enquanto indivíduo e enquanto membro de um colegiado.

 

Segundo a Lei Orgânica do Município (LOM), o Poder Legislativo é:

 

Art. 82.  O Poder Legislativo é exercido pela Câmara Municipal que se compõe de vinte e três Vereadores eleitos dentre os cidadãos maiores de dezoito anos.

 

Deste modo, a Câmara Municipal é o conjunto dos 23 vereadores, que segundo os arts. 87 e 88 da mesma LOM, age por meio de deliberações, decididas pelo Plenário, por maioria de votos, que é definido como órgão soberano:

 

Art. 87.  O Plenário é o órgão soberano e deliberativo da Câmara, constituído pelos vereadores eleitos e com funções estabelecidas no Regimento Interno e nesta Lei Orgânica.

 

Art. 88.  Salvo as disposições em contrário, nesta Lei, as deliberações do Plenário serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.

 

Art. 110.  Compete privativamente à Câmara Municipal:

(…)

XII – fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, inclusive os da administração descentralizada;

XIII – requerer informações ao Prefeito sobre assuntos referentes a administração direta e indireta e atos de sua competência privada;

 

Note que há uma clara distinção entre competência da Câmara (colegiado formado pelos 23 vereadores) e a competência de um vereador. Como não há letra morta na lei, até mesmo a definição de direitos e deveres do vereador, enquanto membro da Câmara, é deixada para ser tratada em documento menor, isto é, no Regimento Interno da Câmara Municipal, como se lê:

 

Art. 100.  Os direitos e deveres dos Vereadores constarão do Regimento Interno.

 

Isso tem um propósito evidente e também ignorado em muitos casos, podendo inclusive, incidir em conduta tipificada no art. 104 da LOM. Conduta essa passível de cassação, conforme preceitua o art. 103 do mesmo diploma legal:

 

Art. 103.  A Câmara Municipal cassará o mandato do Vereador quando, em processo regular em que é dado ao acusado o amplo direito de defesa, concluir pela prática de infração político-administrativa.

 

Art. 104.  Serão infrações político-administrativas do Vereador:

(…)

IV – proceder de modo incompatível com o decoro parlamentar.

 

Poder-se-ia afirmar, após a leitura do conjunto de artigos extraídos da LOM e do Regimento Interno da Câmara que a conduta de vereador que se insurge contra a soberania da decisão tomada em Plenário está em desacordo com o que tem dever, como por exemplo, tem ocorrido em relação ao descontentamento de alguns, quando o Plenário decide rejeitar um requerimento, a saber:

 

Art. 175.  Requerimento é todo pedido verbal ou escrito de Vereador ou de Comissão, feito ao Presidente da Câmara, ou por seu intermédio, sobre assunto do Expediente ou da Ordem do Dia, ou de interesse pessoal do Vereador.

 

  • Serão escritos e sujeitos a deliberação do Plenário, os requerimentos, exceto voto de Pesar, que versem sobre:

(…)

XI – informações solicitadas ao Prefeito ou por seu intermédio ou a entidades públicas ou particulares;

 

Ora, se o vereador inconformado com a deliberação do Plenário que não aprovou seu requerimento, se insurge nas redes sociais e na mídia, ou ainda, utiliza de manobra para obter a informação via SIC, este vereador desrespeita a soberania da decisão do Plenário e age em desacordo com o decoro parlamentar.

 

Se o requerimento (nesse caso) é pedido escrito e sujeito a deliberação do Plenário, sendo o Plenário órgão soberano, burlar a decisão do Plenário é ignorar sua soberania e atentar contra ela.

 

Já no que diz respeito à atuação do vereador, não há qualquer previsão legal de fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo de forma pessoal e isolada. O vereador, enquanto mandatário, não tem nenhum poder fiscalizatório, senão de forma colegiada e de acordo com as decisões emanadas do Plenário. No voto de cada proposição.

 

Não é por outra razão que o caput do art. 110 da LOM, reza que compete privativamente à Câmara Municipal, fiscalizar os atos do Poder Executivo.

 

Toda conduta distante desse rito, pode se caracterizar em abuso de autoridade e implicar nas penas cominadas pela Lei de abuso de autoridade (Lei nº 13.869/19), conforme se observa:

 

Art. 25.  Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.

 

Art. 33.  Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

 

Isto posto, visando respeitar o princípio da harmonia entre os Poderes e também de respeitar as regras vigentes, o meio legal de conseguir algo de interesse pessoal de vereador, nada mais é que o de dialogar com seus pares, demonstrando a importância e pertinência daquele pedido e, então, obter seu voto favorável quando da votação da propositura. Não se pode reconhecer a soberania do Plenário somente quando são aprovadas as proposituras. O Plenário é sempre soberano!

 

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Alex Gama Salvaia, advogado, Mestre em Direito, secretário da Secretaria Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba

 

 

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