Alexandre Bragion
Porque há sempre aquela vontade de viver mais e melhor. Porque há sempre as orações causais causando desejo e amor. Porque na esquina alguém espera para ver e viver o que lhe aguarda sem saber. Porque, afinal, há sempre aquela esperança, aquela sensação de bonança que se quer fazer sentir e crer. Porque me comovo fácil quando alguém me diz que as coisas têm jeito, que a vida tem jeito e que o sonho só é sonho porque o real é assim mesmo, imperfeito, e que o sonhar só existe porque existe, no mundo concreto, o defeito.
Porque, como escreveu Vinícius, ainda (e sempre) resta a poesia – essa poesia que (mesmo e especialmente) sob a chuva fina teima em embelezar o dia, essa poesia que nos pega desprevenidos dentro do sem-querer de um sorriso, que nos incomoda diante da beleza e nos faz sofre por ela sem tristeza (porque a poesia é janela e não muro, porque a poesia é tela e não corrente e se abre em si, feita e refeita em passagem, em viagem em que se vai do ter para o ver, e do existir para o sentir).
Porque há alguém sempre pronto a ensinar com respeito. Porque há sempre alguém disposto a aprender. Porque, ensinou Rubem Braga, acima das nuvens feias e cinzas carregadas de raios e chuvas há outras noites deitadas em macios e fofos colchões de sonho nos quais também adormecem os astros. Porque é preciso acreditar sempre que há outras noites, noites rubembraguianas, sempre prontas, prontinhas, para se fazerem ser.
Porque nos acostumamos a esperar com paciência. Porque acreditamos na ciência. Porque nos recusamos a morrer, mesmo quando tudo nos fazia crer que sobreviver era até ofensivo. Porque sabemos, e sempre soubemos de antemão, que ficar é ter de enterrar os que se vão.
Porque o tempo se faz na hora. E porque, como é hora, agora o tempo se faz. Porque é preciso acreditar – e acreditamos. Porque é preciso caminhar – e caminhamos – sem que nos tenham de mandar. Porque amamos. E amar é se dar no tempo, na hora, no canto e na voz de quem diz “eu te amo” em qualquer hora, tempo e lugar.
Porque amanhã pode ser tarde. Porque depois pode não haver outro talvez. Porque não nos falta coragem de olhar para as ruínas de um país que se desfez. Porque a gente segue juntos, juntas e vamos. Porque apesar de você – porque já diz a canção com alegria – amanhã há de ser outro dia.
Porque queremos a democracia. Porque exaltamos o respeito. Porque nos dói o peito. Porque nos dói a alma. Porque é preciso, sim, ter calma. Calma e ação – em reação humana. Porque não mais nos cabe a guerra. Porque não mais nos encerra o desespero fruto da opressão. Porque lutamos não apenas por nós, mas por nossas irmãs e irmãos.
Porque quando o momento vier, Álvaro de Campos de nós mesmos, não nos abaixaremos para fora da linha do soco. Porque nosso existir é outro. Porque nosso querer é outro. Porque nosso estar no mundo é outro. Porque acreditamos que a vida é, por fim, as batalhas que – pela vida – travamos.
Porque não há um só momento possível de descanso – porque não pode, jamais, descansar a poesia. Porque a miséria é sem nome. Porque a penúria voltou aos borbotões, porque são mais de 33 milhões de sem nomes, por dia, neste Brasil, morrendo de fome.
Porque é tempo freireano de esperançar – e de esperançar com alegria. Porque é tempo talvez de poder mudar a natureza da própria poesia. Porque agora podemos escolher nosso lugar na história (qual é o seu?). Porque agora (em tempos de violação de direitos) poder escolher já é uma imensa vitória.
Porque venceremos. Sempre. E nada é imediato. Porque, sabemos, ninguém pode num ato, numa via, calar a nossa poesia. Porque a poesia está nas ruas, nas bocas, nos corações (de novo). Porque a poesia está na alma (às vezes crua) do povo.
Porque causas não nos faltam, nem motivos. Nem nos faltam a fé, a coragem e a alegria.
Porque (e por isso) acreditamos que, quando menos esperarmos, estaremos poetizando (outra vez) a aurora de um novo dia.
Alexandre Bragion, cronista deste matutino desde 2017.