O tiro saiu pela culatra

José Machado

 

O episódio que culminou com o retorno de Roberto Jefferson à prisão fechada revelou muita coisa, mais do que se imaginava a esta altura da campanha eleitoral. Rememoremos rapidamente o histórico.

O ex-deputado Roberto Jefferson foi condenado pelo inquérito que apura atividades de uma organização criminosa envolvida em fake news, atentatórias à democracia, e desde 2021 cumpria pena em regime fechado no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, no Rio de Janeiro. Por motivos de saúde, recebeu o benefício de prisão domiciliar, desde janeiro do corrente ano.

Esse regime de prisão domiciliar, aparentemente mais brando, estabelece, contudo, restrições, como, por exemplo, não ser permitido o uso pelo condenado das redes sociais para manifestações de qualquer natureza. Armas, nem pensar. Pois bem, ele não apenas desobedeceu à restrição de uso das redes sociais, como armazenou armas pesadas em sua casa, inclusive granadas. Granadas!

Ao usar as redes sociais, Roberto Jefferson postou mensagem xingando a Ministra do STF Carmem Lúcia de prostituta. Além da deselegância, típica de um ser humano truculento, cruel e misógino, atingiu uma autoridade da república. Diante desse fato grave, duplamente tipificado, o Ministro do STF Alexandre de Moraes não teve outra alternativa a não ser determinar a revogação da prisão domiciliar de Roberto Jefferson e o seu retorno à penitenciária.

Neste último domingo, dia 23 de outubro, no cumprimento da decisão judicial, a Polícia Federal foi recebida por Roberto Jefferson com tiros de fuzil e granada, tendo sido feridos dois agentes. Ao longo do dia, gestões foram feitas para que ele se entregasse, o que somente veio a ocorrer no início da noite, sob a proteção do inefável “padre” Kelmon.

Não é possível deixar de nos preocuparmos e nos indignarmos diante dessa ocorrência estarrecedora. É de se perguntar sobre qual a sorte deste país quando a violência política se instala e se banaliza em nosso quotidiano de maneira inequívoca, comprometendo a paz e, por consequência, o Estado Democrático de Direito. Resta evidente que o episódio aqui descrito não é um caso isolado, promovido por alguém desmiolado, mas sim algo que se caracteriza como uma prática coletiva concreta e planejada, que se insinua e se alastra no tecido social de maneira sistemática. Já são incontáveis os registros de violência política desde que o ideal do fascismo saiu do armário, sob a égide da promoção do “mito”. O assassinato de Marielle Franco, até hoje não devidamente esclarecido, inaugura essa senda horrorosa. Outros assassinatos de natureza política já foram contabilizados desde então, mas é necessário contabilizar também a enxurrada criminosa de fake news no processo eleitoral, os insultos a líderes religiosos e as ameaças e arruaças permanentes promovidas pelo bolsonarismo. A ex Ministra Marina Silva, eleita deputada federal por São Paulo, que tantos e bons serviços prestou ao Brasil, foi chamada há poucos dias atrás de vagabunda por um celerado bolsonarista em um restaurante de Belo Horizonte.

Alguém distraído ou alienado pode perguntar: mas o que isso tem a ver com o processo eleitoral em curso? Ou: o que isso tem a ver com Bolsonaro? Ora, a resposta é simples, basta consultar a folha corrida desse personagem, cujo ponto de partida, ao que se sabe, foi tentar praticar ato terrorista dentro do quartel onde servia no início da carreira militar, fato que lhe obrigou abandonar a carreira. Como deputado federal foi um inútil e vez ou outra chamou a atenção proferindo palavrões e fazendo ameaças aos seus colegas deputados e deputadas. Certa feita, de dedo em riste, num debate acalorado, chamou a deputada gaúcha Maria do Rosário de vagabunda. Outro fato notório como deputado foi sua declaração de voto na sessão que abriu o processo de impeachment de Dilma Roussef, quando homenageou o Coronel Brilhante Ulstra, reconhecido torturador de presos políticos na Ditadura. Nas eleições de 2018, empunhando ou simulando armas com as mãos, não cansou de dizer e prometer que para consertar o Brasil era necessário destruí-lo, mesmo que fosse à custa da eliminação dos adversários. Já investido presidente, liberalizou o uso de armas, a pretexto de oferecer segurança às pessoas; ameaçou insistentemente o poder judiciário, particularmente o STF, a pretexto de que este o impedia de governar; e passou a ameaçar a justiça eleitoral, denunciando, sem provas, as urnas eletrônicas; e por aí vai. Sem nos esquecermos que no auge da pandemia, negligenciou da sua responsabilidade em oferecer vacina em tempo hábil e na quantidade necessária à população, o que resultou num número de óbitos recorde proporcional e comparativamente ao resto do mundo, além de outras barbaridades.

Roberto Jefferson é o espelho de Bolsonaro. Ambos têm a mesma índole e representam o estereótipo do homem violento. Ambos defendem a violência como método de fazer política. Há inúmeras fotografias de ambos com armas na mão mirando num inimigo imaginário. Numa delas, num evento no Acre, com uma criança no colo, pasmem, Bolsonaro a ajuda a fazer arminha com as mãos.

Um xinga uma ministra da mais alta corte do país com palavrão chulo. O outro, diante de uma menina indefesa, diz que “pintou um clima”.

Os brasileiros e brasileiras irão às urnas no próximo domingo, 30 de outubro, em rodada de segundo turno, para decidirem sobre qual é o projeto mais apropriado para o Brasil. Não é demais perguntar se cidadãos assim chamados “de bem”, que não são declaradamente bolsonaristas de raiz, mas inclinados a votar em Bolsonaro, não se comovem com esse cenário de barbárie que toma conta do país. Ou se pouco estão se lixando para o futuro dos seus filhos e netos.

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José Machado, ex-prefeito de Piracicaba pelo PT

 

 

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