José Machado
A História é irônica. Ou, como diz o ditado, nada como um dia após o outro.
Moro compareceu ao lado de Bolsonaro no debate da campanha presidencial do último domingo, cochichando e dando dicas, na maior intimidade. Quem diria, hein? Depois de deixar o governo atacando Bolsonaro por corrupção, volta no colo dele. Volta à cena do crime.
Esse mistério já estava há muito desvendado e apenas os incautos e incultos, ou mal intencionados, queriam fazer crer que Sérgio Moro foi um juiz de direito imparcial no julgamento de Lula. Não foi. Seu real objetivo nesse julgamento, plenamente alcançado, com o apoio da mídia corporativa, foi o de impedir que Lula fosse candidato e eleito em 2018, pois era franco favorito. Condenou Lula à prisão sem provas, baseado em fato indeterminado (uma excrecência jurídica), decisão essa confirmada em tempo recorde (o desembargador relator nem leu o processo) pelo Tribunal Regional Federal 4, sediado em Porto Alegre.
O uso do poder judiciário nessa tarefa de caráter eminentemente político foi amplo, haja visto que o próprio STF, pressionado então pelo General Villas Boas, declarou Lula inelegível. Uma decisão vergonhosa, com amplo repúdio do pensamento jurídico nacional e internacional.
Fato que não pode ser esquecido é que Moro, ainda em plena campanha de 2018, e ainda investido do cargo de juiz, aceitou conversar com Paulo Guedes, futuro Ministro da Economia, que o sondou para fazer parte da equipe de Bolsonaro no governo. Pouco tempo depois da proclamação da vitória de Bolsonaro, o impávido juiz anuncia sua retirada da magistratura, eis que estava pavimentado o caminho para sua investidura como ministro do futuro governo.
Com efeito, como prêmio por seu papel eficaz no impedimento a Lula, Moro deixou a magistratura e foi ser Ministro da Justiça de Bolsonaro. Ficou lá por um tempo, mas logo deixou o cargo. Ansiava ter um protagonismo brilhante no ministério, na perspectiva de ganhar lastro popular para reivindicar no futuro a candidatura à presidência da república. Logicamente, bateu de frente com o próprio Bolsonaro, perdeu prestígio e espaço e saiu do governo. Atirando. Acusou Bolsonaro de interferir na Polícia Federal para se proteger e proteger seus filhos, especialmente no rumoroso caso das “rachadinhas”. Bolsonaro reagiu e o desqualificou, indicando que a ruptura entre ambos seria definitiva.
Sérgio Moro se elegeu senador pelo Paraná, ainda surfando na onda de caçador de corruptos. Seus eleitores pertencem àquela parcela da sociedade que não lê e não raciocina. Inebriada pelo moralismo falso e estúpido, capturada pelo fundamentalismo religioso e embotada intelectualmente, não consegue enxergar um palmo na frente do nariz. Não percebe quão grave é um juiz de direito desmoralizar a própria Justiça, ao agir para promover os seus próprios interesses, no caso a carreira política, valendo-se de expedientes espúrios.
Quando a Justiça é avacalhada, o que pode esperar o cidadão comum e de bem em benefício da sua proteção diante de acusações falsas e sem a oportunidade de se defender? Eis a pergunta que não quer calar. Pelo brilho de sua carreira, Lula foi capaz de se defender. Teimosamente lutou como um leão, teve o apoio do pensamento jurídico nacional e internacional e conseguiu provar que era inocente, obrigando esse reconhecimento na mais alta corte jurídica do país.
O fato inquestionável é esse: ao voltar aos braços de Bolsonaro, o ex-juiz coloca uma pá de cal sobre a dúvida que ainda pairava na cabeça de alguns sobre a inocência de Lula.
Essa danada da História, com suas ironias, mais dia menos dia restabelece a verdade. Aos poucos, a consciência da sociedade brasileira vai conhecendo por debaixo do véu as sórdidas manobras para impedir a construção de um país mais justo, democrático e soberano.
Oxalá o afloramento da consciência popular defina tempestivamente em seu favor o desfecho das presentes eleições presidenciais e desague num processo democrático mais arrojado, capaz de derrotar em definitivo o projeto da destruição nacional.
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José Machado, ex-prefeito de Piracicaba pelo PT