Porque amanhã é sábado – Espera, que já vem!

A alegria é a prova dos nove – e eu me sinto melhor colorido. Na serpente do tempo que passa, no leito dos dias vividos, a esperança – Deus nos dê a sua graça – é o tônico dos renascidos. À mesa dos endividados, na cama dos desfalecidos, à porta dos deportados, na sorte dos mal-nascidos, dorme de olhos abertos a fé a ser acordada de seus sonhos esquecidos. Pois enquanto houver um galo, uma casa, noites e quintais – como cantou o velho bardo que o universo já carregou –, haverá sempre o afã da esperança pronta para ser consumada (aos berros!) antes das três da madrugada, antes das fatais três badaladas, renegadas, da manhã.

Porque há sempre uma vela na janela – e atrás dela uma rezadeira, uma benzedeira, uma curandeira a expurgar os males de toda a gente. Há sempre um café para o santo – salve, São Benedito! – em cima da geladeira, e uma pinga derramada com gosto antes da bebedeira. Três batidas na madeira, um creio em Deus-pai para arrematar. Um raminho de arruda atrás da orelha, um vaso de flores num altar. Que a esperança gosta de coisas cheirosas! Vela, incenso e mirra. Defumadores fumegantes, banhos de cheiro e perfumes na barriga. Uma fitinha vermelha no tornozelo, no pulso a do Senhor do Bonfim. Pé de pato, mangalô, três vezes! Em algum lugar a esperança há de esperar por mim.

Porque esperar é ter coragem, mesmo quando tudo parece danado – mesmo quando tudo parece arruinado, mesmo quando a boa notícia, de repente, demora a chegar ao fim. Espera quem tem medo, espera quem se apaixona, espera quem se aprisiona em seu próprio eu e não diz sim. Espera quem tem fama, quem tem ousadia, quem tenta a sorte, quem tem coração. Espera quem acredita que a morte não é o fim, não – é só uma passagem para outras paragens de celestial imensidão. Espera quem se compromete, quem se aventura, quem investe. Espera quem tem rabo preso com a paixão. Quem quer que a vida – curta, média ou comprida – seja sempre uma florida, e bem cumprida, esteira da criação: uma tela, um quadro, um texto, uma doce canção.

Espera quem dá cria, quem procria, quem põe um mundo no mundo. Espera quem ponteia, quem clareia a viola à lua cheia, quem fez versos, quem escreve, protesta (Salve,  Drummond! Que sua benção de ateu recaia neste plebeu). Espera quem sabe que deve, quem sabe que a vida é breve para tanta desilusão. Espera quem ama a vida: a chegada, a ficada ou a partida. Espera quem sabe que amar é também interrogação. Espera quem gosta de ver passarinho, no ninho, um dia levantar voo. Espera quem acaricia o tempo, de leve, que nem veludo. Espera quem entra na roda feito criança que sabe tudo, quem dança e canta ciranda – e grita para quem acredita: quem espera sempre alcança, três vez salve a esperança!

A esperança está nos livros, nas orações, nas estantes. A esperança está nos discursos de humana construção, nos sábados à tarde, nos domingos pela manhã. A esperança – não parece – está até nos jornais. A cada instante alguém chama pelo seu nome, toda a hora a gente quer os seus sinais. Num Deus seja Louvado, num Deus te Crie, num Assim Seja. A esperança cresce para que todo mundo a veja. Afinal, o que nos resta senão a espera da ação – a esperação da manifestação divina, quer ela exista ou não. (Pois, como dizem os portugueses, no Tejo, a bebericar seu vinho: bom mesmo é esperar Dom Sebastião, quer ele apareça ou não).

Espero, por fim, como Pedro, o Pedreiro, da canção – que espera o trem na manhã que carece de se esperar também. Esperemos na ação positiva, na luta definitiva por quem tem e (em especial) por quem não tem vintém. Porque não há, hoje, outra esperança na vida que esperar que o nosso tempo mude – como uma canção colorida – na esperança objetiva de se conquistar o bem.

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Alê Bragion, cronista esperançoso desta Tribuna desde 2017.      

 

 

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