José Osmir Bertazzoni
As últimas ações do Legislativo Municipal trazem à tona um dilema social, uma situação em que os interessesprivados são relevados em detrimento do interesse público, porexemplo: uma norma legislativa que obriga o cidadão a ficar inerte diante de absurdos políticos levados à votação e muitas vezes aprovados; medalha de mérito Olavo de Carvalho, uma aberração ideológica doentia; audiências públicas programadas para o público não se manifestar, ou pelo tempo ou pelas manobras regimentais; a alteraçãodo horário já consagrado da Tribuna Popular (aonde o povo leva temas importantes para a análise política),que já vinha sendo restrita em seu tempo de fala reservado aos cidadãos,e a utilização desse tempo por vereadores para agredir ou ignorar oponentes políticos e pessoas que pensam diferente.
Nossa Câmara de Vereadores tem se tornado, por meio de alguns vereadores, numa oportunidade de sobrevivência vendendo maravilhas de “igrejas evangélicas” e, por consequência,formando, por esse povo, um verdadeiro curral eleitoral que os perpetua na vereda — ciclo de poder disfarçado de benevolência. Já alguns outros vereadores defendem interesses pessoais ou se colocam como um supremo ministro municipal, ditando ordens absurdas para que suas vontades prevaleçam, aindaque aberrantes.
O interesse privado diverge do interesse público. Não se pode misturar igrejas e vaidades pessoais com a vereança, mesmo porque nossa Constituição, em seu Art. 5º, inciso VI, assegura liberdade de crença aos cidadãos, conforme se observa: Art. 5º — Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]; VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
Assim, o caráter laico do Estado, que lhe permite separar-se e distinguir-se das religiões, oferece à esfera pública e à ordem social a possibilidade de convivência da diversidade e da pluralidade humana. Permite, também, a cada um dos seus, individualmente, a perspectiva da escolha de ser ou não crente, de associar-se ou não a uma ou outra instituição religiosa. E, decidindo o cidadão por crer, ou tendo o apelo para tal, é a laicidade do Estado que garante, a cada um, a própria possibilidade da liberdade de escolher em que e como crer, enquanto é plenamente cidadão, em busca e no esforço de construção da igualdade.
Logo, as religiões são de interesse privado pois, em razão do Estado Laico, cada cidadão escolhe suas crenças ou não escolhe nenhuma. Suas liberdades estão garantidas para decidir seu caminho. Em uma dessas sessões camarárias do primeiro semestre de 2022, o Vereador Rerlison Rezende propagou, no uso da Tribuna Legislativa, que “sua igreja é a que mais cresce em Piracicaba”, e durante todo o tempo de uso da Tribuna fez uma propaganda privada em plenário, lembrando que o objetivo deste é discutir nossa sociedade como um todo.
Outros vereadores da “bancada evangélica” possuem o mesmo comportamento, alguns vereadores “religiosos” não distinguem o púlpito eclesial da tribuna dos representantes do povo. Infelizmente essas culturas estão se proliferando em nossa incipiente democracia.
É uma situação que, se todos os indivíduos colocarem o interesse privado em primeiro lugar, acabaria levando a resultados piores, tanto do ponto de vista coletivo quanto do ponto de vista privado.
Posto isso, para resumir, Jesus nos disse que somos todos pescadores de homens (e de mulheres, diga-se). Temos almas em abundância, não é necessário usar o espaço comum do povo para seus fins pessoais, mesmo de crenças. Mas quando todos pensam e se comportam dessa forma, esse mesmo recurso comum é posto em perigo com prejuízo a todos.
Essa erronia interpretação entre a liberdade individual e o bem-estar coletivo representa o desvio da essência de qualquer dilema social a ser perseguido; o maior desafio para qualquer comunidade, e para os Poderes Públicos, em especial o Legislativo, não pode deixar-se ser percussor de um estado próprio, pessoal, seja no âmbito de qualquer interesse que não o interesse público coletivo do bem-estar-social de todas as vertentes religiosas. Neste último apelo, quem mais cresceria na cidade nãos seria a igreja do pastor, conquanto sim a democracia em lato sensoe as liberdades individuais e coletivas.
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José Osmir Bertazzoni, jornalista, advogado