PORQUE HOJE É SÁBADO – Louvação à motociata na mata

Alexandre Bragion

Roncam os motores entre as árvores. Rom-rom-rom. Nosso céu tem mais estrelas, nossa relva mais horrores. Rom-rom. Nossa pátria tem mais motos, tem mais mortos que igualdade em penhores. Toquem o hino nacional! Mãos em continência! Pela selva está passando a motociata oficial, neoliberal, cristã e ultranacionalista. Salve, salve! Porque viúvo ou viúva é quem parte – qual é? Mataram? Sumiram? Isso é problema meu? Atrás da motociata só não vai quem já morreu.

Abram picadas na mata – mata, mata! Bandeira nacional amarrada no cano da espingarda. Partida dada, coração batendo a mil, Deus salve a moto-serra e a motociata cortando a floresta e o Brasil. Salve, salve! A mata a gente mata assim, com tiro na cabeçinha de protetor da floresta. Qual o quê? Motociata acima de tudo, faz arminha com a mão, que Deus protege quem assassina os bem-feitores da nação. Rom-rom-rom. Na selva não há socorro, mas há Deus acima de tudo e facão no pescoço de todos. Salve, salve!

Também, foram fazer excursão em terra desconhecida? Eram dois aventureiros contrariando o sertão! Que Deus conforte as famílias (falsa-oração de constrição). Mas quem mandou irem lá? Ora se já se viu! Ouvi gente boa dizendo que não gostavam muitos deles. Vai saber? Salvem os motores, rom-rom, os atiradores, os caçadores, os colecionadores. Salvem os que dão tiros sem por um. (Engatilhar! Fogo! Bum!). Também, quem mandou desagradar aos donos da floresta? Afinal, o que agora dela resta é deste povo varonil! Deus proteja os mercenários, os larápios, os salafrários, os ilegais. Está passando a motociata! Salve, salve! Amazônia nunca mais!

Jesus só não tinha pistola porque em seu tempo não havia – disse o mito-em-chefe da nação. Viva, Jesus pistoleiro! Corpos Christi é feriado para se celebrar armado – não é, não? Solte fogos, dê uns tiros, bomba de gás lacrimogêneo, petardo, granada, rojão! Viva, Jesus pistoleiro – e vem chegando São João! É festa no paiol! Botem fogo na floresta e no país inteiro! Que tiro pouco é bobagem – e paz e amor é coisa de maconheiro. Ora, sim. Ora, pois. É preciso salvar o Brasil dos comunistas. Então, vamos de motociata pela mata. Rom-rom-rom. É hora de (in)justiça!

Se há vermelho é de sangue, de sangue só pode ser. Se há vermelho é de sangue – vermelho tem morrer, pois terra para indígena não tem e não vai ter. Nem um milímetro demarcado. Promessa feita é cumprida – senão, por Deus, é pecado. Liguem os motores, os tratores, passem o arado. Terra indígena protegida é coisa do passado. Rom-rom-rom. Viva a bala, o revólver, a carabina, que neste país homem de bem é aquele que chacina. Louvores à moto que na mata impera! Ave, moto! – moto-serra que serra o índio e a terra. Rom-rom-rom.

Demarcar área para quê? Que lindo o nosso novo-Brasil! Adentrem por nossa relva, que aqui em se roubando tudo dá. Tem ouro para garimpeiros, peixe de pesca ilegal, corredor para os estrangeiros passarem seu material. Que a mata verde não dá dinheiro, porque dinheiro não dá em árvore. Então, abram alas, abram passagem – vai passando a boiada vestida de motoqueiro! Rom-rom! Muuu! Hoje tem festa na mata – louvores a Belzebu – e a festa está só está começando! Há muito ainda por vir, há muito ainda a ruir antes que o tempo se faça.

Por ora, atentemos, parece que fizeram maldade. Tem estomago boiando na margem do rio – (disse também o Capitão do Brasil). Rom-rom-rom. Bum! Bum! Muu! Hoje tem festa na mata – mata, mata. Abram picada, cortem e vendam madeira de lei como se fosse barata. Salve, salve! Batam continência. Hoje tem festa na mata, Deus acima de tudo abençoando a motociata!

(Agora… De repente… Não sei. Não sei. Não sei bem o que me deu. Sem querer fiquei pensando se esse estômago boiando talvez não seja o nosso, se talvez não seja o meu. Não sei. Não sei. Não sei agora o que meu deu. Será que é assim que as coisas vão terminar? E a mata dentro de mim, será que vão dominar? Ah, deixa para lá! Hoje é dia de festa, é dia de louvação. Louvemos à motociata nesta crônica-canção! Pois não quero nem pensar qual será nosso fim se esse Jesus de revólver, o tal Deus-Jesus-pistoleiro, não vier para nos salvar.)

Alexandre Bragion é cronista de A Tribuna desde 2017.

 

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