José Osmir Bertazzoni
Revela-nos a pandemia que, para a grande maioria dos habitantes do nosso planeta, a distância, ou diferença, entre as misérias se equipara aos minúsculos salários-mínimos praticados pelas nações. Pequenos empresários ou comerciantes, trabalhadores, homens do campo, todas as pessoas que vivem com uma quantia diária que varia entre 02 e 10 dólares, sobrevivem pagando alugueres em habitações precárias, possibilitando poucas oportunidades às suas famílias.
Na outra linha do horizonte, o aumento registrado pelos dez maiores patrimônios bilionários desde o início da crise é mais do que suficiente para evitar que todos os habitantes da Terra caiam na pobreza por causa do vírus e paguem pela vacina Covid-19 para todos.
Casos emblemáticos trataremos neste texto com pseudônimo: Neilice é uma jovem trabalhadora de uma indústria têxtil no interior de São Paulo. Em abril de 2020, grávida de oito meses, perdeu o emprego e, consequentemente, precisou da Justiça para buscar seus direitos. “Entre a gravidez, o medo do vírus, o desemprego, o não pagamento de benefícios que necessitava para hoje, às vezes sinto que estou enlouquecendo”, disse.
A desigualdade no planeta: gigante foi o impacto da pandemia na saúde e na educação.
A pandemia revelou os problemas dos sistemas de saúde de várias nações. Na África do Sul, onde a saúde pública atende 84% da população, mas apenas 30% da equipe médica trabalha lá. A saúde privada, que atende 16% da população, está equipada com 70% do pessoal médico. Desigual e injusto, porém não podemos deixar de notar que o Brasil caminha também para esse desastre. Médicos buscavam concursos públicos pelos rendimentos melhores e principalmente pela paridade e integralidade dos vencimentos na aposentadoria, cujo objetivo era garantir uma certa tranquilidade quando a idade chegasse (esse benefício findou-se com as reformas previdenciárias), tornando mais atrativo para os profissionais de saúde a iniciativa privada e menos atrativos o serviço público. Prejuízo certo ao povo trabalhador.
Particularmente para os pobres, mulheres e minorias étnicas, as desigualdades estão crescendo assustadoramente. No Brasil, por exemplo, cidadãos de ascendência afro, que tiveram 40% mais chance de morrer de Covid-19 do que a população branca, se sua taxa de mortalidade fosse a mesma dos brasileiros brancos, mais de 9.200 deles ainda estariam vivos em junho de 2020 — entendo que os direitos dos afrodescendentes estão abalados com o governo Jair Messias Bolsonaro.
Essa assertiva também ocorre nos Estados Unidos, os cidadãos afro-americanos e latino-americanos são mais propensos a morrer de Covid-19 do que os brancos, se sua taxa de mortalidade fosse a mesma que a dos brancos, em dezembro de 2020, quase 22.000 cidadãos latino-americanos e negros ainda estariam vivos.
Não bastasse essa tragédia existe ainda o capítulo da educação.
Neste capítulo da educação, em 2020, mais de 180 países fecharam temporariamente escolas, deixando quase 1,7 bilhões de crianças e adolescentes em casa. Nos países mais pobres, a pandemia privou os alunos de frequência escolar, em comparação com países com renda mais alta. Na América Latina e no Caribe, apenas para dar um exemplo, apenas 30% das crianças de famílias pobres têm acesso à internet, em comparação com 95% das crianças de famílias ricas.
As desigualdades não ficam somente no campo étnico, mas atingem também gênero: entre homens, mulheres e desigualdades no trabalho. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), centenas de milhões de empregos foram perdidos devido à pandemia. Nos Estados Unidos, por exemplo, 90% dos trabalhadores de renda mais alta têm direito à licença médica remunerada, enquanto apenas 47% dos trabalhadores de baixa renda desfrutam desse direito.
Em países de baixa renda, 92% das mulheres estão em empregos informais, perigosos ou inseguros. A pandemia também causou um crescimento exponencial de empregos mal remunerados ou não remunerados, realizados principalmente por mulheres e, em particular, pertencentes a grupos marginalizados por motivos sociais e étnicos.
Mais uma exemplificação, essa ocorreu bem próximo a nós, os servidores da administração pública de Piracicaba que atuam na área da saúde recebem uma bonificação por desempenho, que na verdade é um salário dissimulado para não incidir em outros benefícios e criar um mecanismo de pressão para que os servidores não faltem do trabalho em hipótese alguma; o mesmo ocorre na Educação. Como o caso do servidor (preservamos o nome: sigilo da fonte é garantia constitucional) que trabalhava em uma unidade de saúde, ele contraiu Covid-19, e foi condicionado a continuar trabalhando escondendo os sintomas, piorou e morreu depois de alguns dias em solidão, deixou esposa e filhos.
Resumindo a ópera, as pessoas aspiram a um mundo diferente começando com a promoção da equidade: “O Banco Mundial estima que, se os países tomarem medidas imediatas para reduzir a desigualdade, a pobreza global retornará aos níveis pré-crise dentro de três anos, em vez de mais de uma década”.
A economia deve, portanto, colocar as pessoas no centro, investindo na cobertura universal e gratuita de saúde, educação e outros serviços públicos que devem ser realizados diretamente pelo Estado.
O trabalho decente e livre de exploração, tema sobre o qual tive a honra de participar diretamente na Comissão Temática na Conferência Internacional do Trabalho em Genebra (Suíça) da OIT/ONU, em 2013 e 2014 (também em outros temas atuei por dez anos em Genebra, por indicação dos governos brasileiros).
As empresas devem criar e distribuir valores de forma mais equitativa entre todas as partes interessadas e não dar prioridade única à maximização dos lucros para os acionistas — sem esquecer a justiça social e fiscal.
Desculpo-me pelas gerações futuras, mas esta é a triste realidade. Aprendemos que do esterco pode nascer uma flor, mas do lixo somente surgirá mais lixo.
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José Osmir Bertazzoni, jornalista e advogado; e-mail: [email protected]