O essencial na amizade

Plinio Montagner

 

Saudades dos tempos dos bate-papos, daqueles de nossos pais e avós à mesa de jantar e à beira do fogão.  Saudades das visitas sem cerimônias e sem celulares; das pessoas mais vividas que contavam casos. Hoje somos os mais vividos daquele tempo a sentir a falta daqueles ambientes.

E o que pode ser feito para essa nostalgia voltar? A tecnologia não para; os costumes se firmam; a competição não dá trégua, e tudo que subtrai nossos tempos de lazer.

Hoje o acesso ao conhecimento está em nossa casa, em nosso bolso. Enciclopédias cabem na mão e na bolsa, sem peso, sem poeira e sem as traças das bibliotecas.

Seria uma luta desigual a luta. Quem não se familiarizar com a tecnologia, deixando as lembranças para trás, vai se transformar em um “analfabeto moderno”.

Tudo mudou rápido, tudo ficou perto demais. Os serviços de entregas, a comunicação, o estudo, o trabalho, o comércio, e distantes a poesia, o romance, o perfume, os olhares.

Enquanto isso, germinam velozes o individualismo e o isolamento.

Amizades verdadeiras fazem bem. Vinhos raros e antigos, melhores e confiáveis, valem o preço.

A amizade, um bem que enriquece, é de graça.

Há alguns anos assisti a um filme, desses inesquecíveis: Meu Melhor Inimigo. Uma comédia super leve, adorável.

É a história de dois amigos que mantiveram uma amizade tão velha quanto suas vidas. Haviam morado juntos durante muitos anos, mas em virtude dos temperamentos distintos se separaram.

Anos depois, num aeroporto da Califórnia, por coincidência espantosa, voltaram a se encontrar quando iam a um casamento. Mas foi outra surpresa, ou coincidência: era da filha de Felix (Jack Lemon) com o filho Oscar (Walter Matthau).

Reatada a amizade, calorosos abraços, resolveram alugar um enorme conversível para irem ao local da cerimônia. A partir de então, o que era para ser uma viagem de duas horas se transformou em interminável sucessão de desentendimentos e confusões.

“Que mania você tem de querer fazer xixi a toda hora”, dizia um. O outro: “E você, que chatice, toda vez que a gente passa por um restaurante você quer comer alguma coisa; outras vezes parar para descansar”.

E assim ficavam implicando um com o outro, ora por causa da velocidade excessiva de um, ora pela lentidão do outro, ora porque causa do volume do som.

Numa das costumeiras brigas, à mesa de um bar na estrada, um freguês perguntou: “Desde que entraram aqui não param de discutir. Se brigam tanto, por que cada um não segue seu caminho?”

Jack Lemmon, fixando olhar no seu amigo (Walter Matthau) retrucou: “O que? Você é louco? A gente se conhece há quase um século. Como acabar uma amizade assim? Vamos jogar fora todo esse tempo que ficamos juntos aguentando um ao outro?”.

Amizades longevas mantêm o essencial das relações: cativar. Outras, nem tanto cativam. Pode acontecer que quando se fala em alguém, quem ouve não mostra interesse se o assunto for hobbies, animais, gostos, filhos, etc. Interrompe quem está falando para perguntar quanto aquela pessoa ganha, o que ela faz, qual é o tamanho de sua casa, etc.

Supondo se lhe dissermos que vimos uma casa cor-de-rosa, gerânios nas janelas, uma varanda, não vai conseguir formar uma ideia da casa. Será necessário dizer que vimos uma casa de milhões e milhões de dólares. Só depois se julgarão capacitadas de conhecer melhor os outros.

O essencial muitas vezes é ignorado.

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Plinio Montagner, professor aposentado

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