Antonio Lara
Se os políticos praticassem individualmente contra seus eleitores os desaforos e as fraudes que lhes infligem coletivamente, certamente seria hoje espécie extinta, pois de um ou de outro já teriam recebido o troco que merecem. Mas eles agem coletivamente. Quer dizer, ocultamente. Ocultos pelo anonimato, protegidos pela abstração das instituições. Estado, Fisco, Câmara, Congresso, Prefeitura, Judiciário. Abrigados sob o anonimato dessas pomposas, temíveis e inefáveis estruturas convencionais e abstratas, não há como identificá-los, individualizá-los, personalizá-los, nomeá-los, vê-los, botar as mãos em cima deles. Embora por baixo ou por cima dessas instituições o que se acha são indivíduos iguais aos seus eleitores – salvo nos privilégios e imunidades que se auto-outorgam.
Entretanto, só eles se conhecem, se identificam, se personalizam. Só eles estão inteirados de suas vantagens e falcatruas. Investido de mandato, não há como o eleitorado, e muito menos o eleitor, individual, alcançá-los. A ficção democrática os investe da soberania: eles são “os representantes do povo”, sua voz, seu desejo, seu poder.
Sem dúvida, a Ética, o Direito, a Constituição se acha acima deles. Na pratica, os instrumentos de operação social desses valores são imponderáveis e impotentes. Existe, inegavelmente, uma opinião que exprime o pensamento, os sentimentos e o desejo da maioria. Existem a mídia, os Tribunais de Contas, os Ministérios e Promotorias públicos. Mais se sabe bem o limite de ação prática desses instrumentos e a que ponto a política e o Estado os controlam e manipula.
Assim, o único corretivo contra as deformidades, abusos e degeneraçãoes da política estão nas mãos dos próprios políticos. E nada existe mais poderoso mais salutar e mais produtivo para a melhoria dos costumes políticos dos que as brigas de família entre eles. Só eles conhecem seus próprios poderes e suas próprias fraquezas e só eles têm o poder de corrigi-los. Daí a salubridades das comissões de inquérito. Daí, também, a prontidão com que eles tratam de encerrá-las o quanto antes minimizar seus efeitos. Hodi mihi, cras tibi. Embora a maioria dos políticos ignore o latim, nenhum deles desconhece esse ditado: Hoje eu, amanhã você. E como todos têm os rabos trançados no mesmo rolo de minhocas, nenhuma máfia observa com maior escrúpulo e temor a regra da Omertà – o silencio da cumplicidade que a ameaça da retribuição assegura.
Hoje se denomina de corporativismo a esse espírito de defesa grupal.
As corporações eram instituições de oficio medievais. Mas a coisa é mais antiga e mais profunda do que isso. Os etnólogos as conheciam por tribalismo e os zoólogos por instinto grupal. Em nenhum grupo humano esse instinto é mais forte do que na manada política. A razão é simples. Zoologicamente eles pertencem à variedade animal dos predadores, e se nesse tipo de bicho não predominar o instinto grupal, sua sobrevivência estará ameaçada. É por isso que lobo não come lobo e os leões vivem em paz entre si. Piranha também não come piranha. Salvo se uma delas for sangrada. Na política, o processo de criar bodes expiatórios é um sistema de preservar a tribo e o próprio bode. Mesmo depois de mortos eles voltam como heróicos ectoplasmas para retomar seu lugar no cocho.
Não vão os pundonoros e os pudibundos considerar ofensivas as palavras deste artigo. Eles são inferiores em contundência à gravidade dos fatos que praticam contras seus eleitores e representados. Teríamos a melhor segurança, melhor educação, melhor saúde, se os milhões por eles embolsados chegassem ao destino para os quais pagamos. Pois o problema não é o de “quanto” se arrecada, mas o de como se “gasta”. Sem os furtos políticos do último quarto de século, esteja já seria um país do Primeiro Mundo.
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Antonio Lara, articulista: [email protected]