Lilian Lacerda
Nas últimas semanas fomos invadidos com notícias sobre o fechamento do Observatório Astronômico de Piracicaba “Elias Salum”, que até então, era administrado pela Secretaria Municipal de Educação desde a sua fundação no ano de 1992, seguido da proposta de transferência da Pinacoteca Municipal “Miguel Archanjo Benício d´Assumpção Dutra” e da Biblioteca Municipal para barracões no Engenho Central.
Ao tratar do Observatório, a prefeitura não renovou o contrato em julho de 2021, alegando a necessidade de transferência para um local mais adequado, o que não aconteceu. O quadro se agravou ainda mais durante a pandemia da Covid-19, quando o espaço foi completamente abandonado ficando vulnerável a ações de vandalismos.
No caso da pinacoteca, tem-se um movimento de cidadãos, alguns políticos e artistas mobilizados em atos contrários a destinação do prédio à Policia Federal.
A resistência da Câmara Municipal em intervir para a garantia de permanência dos equipamentos da cidade em detrimento do deslocamento para o Engenho Central – cuja a intenção é privatizar – demonstra o descaso com o patrimônio histórico e cultural. Diante desse cenário, dois aspectos chamam atenção. O primeiro refere-se as propostas e iniciativas do poder executivo cujos posicionamentos e ações traz insegurança e gera dúvidas acerca da importância dada ao patrimônio da cidade. De outra parte, tem-se o aspecto que relaciona a estrutura social vigente afastando as camadas populares do acesso à cultura.
Este cenário revela, nada além, que o descaso com o patrimônio cultural e para com a memória do piracicabano.
Outra notícia da imprensa em 05/10/2021: “a prefeitura desistiu da reforma da antiga escola de Ártemis…” “imóvel de 1904 é tombado pelo município é o antigo Grupo Escolar e está desativado há anos…”. O prédio do antigo Grupo Escolar é mais uma vítima do desprezo e do descuido com nosso patrimônio cultural pela prefeitura e revela que apenas tombamento não é suficiente para coibir a destruição de prédios históricos.
Demolir um prédio antigo por si só já é terrível, mas anterior a demolição, o abandono, sinaliza a ausência de memória. Demonstra a inexistência do sentimento de pertencimento, cuja identidade individual e coletiva está ausente ou é amorfa.
Tais fatos configuram-se na perda da formação indenitária do povo piracicabano. Ao consideramos que toda produção cultural é explicada pelas relações sociais, pela representação das estruturas sociais e seus constantes redesenho, nesse movimento, a identidade resultaria do sentimento de pertencimento cultural.
Outro ponto importante a destacar é que a maioria da população piracicabana desconhece ou não tem acesso aos equipamentos culturais e os artefatos históricos, e a maior causa do pouco contato com as memórias culturais encontra-se no acesso e na falta de incentivo em ocupar esses espaços, credencia o descaso com os patrimônios históricos e culturais.
O fato é que por séculos a cultura se constituiu como privilégio de poucos possibilitada pelas modificações estruturais do capitalismo. Cultura, arte e lazer foram organizados e disponibilizados conforme os princípios do trabalho integrando as atividades laborais e o descanso ao dispor da reprodução do capital.
Na sociedade moderna, além das transformações sócias e políticas, tem-se o advento da tecnologia como elementos importantes na ressignificação da estrutura de trabalho, lazer e novas formar de produção de cultura subordinados à lógica neoliberal. Neste contexto, cultura, arte, lazer adquirem novos significados – deixando de ser representações coletivas para dar lugar as subjetividades.
Parafraseando o filosofo Frantz Fanon, “todo povo colonizado — isto é, todo povo no seio do qual nasceu um complexo de inferioridade devido ao sepultamento de sua originalidade cultural — toma posição diante da linguagem da nação civilizadora, isto é, da cultura metropolitana”. (Fanon, p.35, 2008)
Historicamente, a guerra era a principal destruição da cultura, do patrimônio cultural de um pais. Entretanto, na sociedade contemporânea, propostas de incentivo e valorização do patrimônio cultural não recebem a atenção necessária, nem são pautas de projetos políticos. Nosso patrimônio histórico e cultural vem sendo preterido e negado e o descaso que os acomete é material e simbólico.
A perda do Observatório, a mudança da Pinacoteca, da biblioteca acendem mais uma vez o sinal vermelho de nossas consciências: é preciso invocar posturas que nos transformem em um povo cônscio da importância do nosso patrimônio. Digo no sentido de reivindicar os espaços, de lutar por suas permanências e cobrar, do poder público, ações condizentes a preservação da memória do piracicabano.
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Lilian Lacerda, doutora pela PUC-SP, psicanalista e pesquisadora