José Osmir Bertazzoni
No Governo Prudente José de Moraes Barros, 1894 a 1898, havia grande influência política dos florianistas que buscavam o retorno dos militares ao governo – atente-se que os militares brasileiros são protagonistas de uma história de golpes e busca pelo poder — nada diferente do momento que vivemos hoje.
As forças armadas, segundo nossa Constituição, são organizadas como forças permanentes, organizações constituídas por militares profissionais que não dispõem de outra profissão que não seja de se prepararem e de se empenharem em operações de guerra na defesa do território ou dos patrimônios nacionais. Todavia os florianistas estavam próximos ao poder com possibilidade real de um retorno dos militares ao governo.
A Revolução Federalista encontrava-se em pleno andamento, o que aumentava a intranquilidade ao novo governo.
Para estudiosos, “a principal obra de Prudente de Moraes deveria ser, portanto, fazer o país retornar à normalidade, dentro do projeto político liberal da oligarquia cafeeira. Entre suas primeiras realizações, esteve o fim da Revolução Federalista, em agosto do ano de 1895, que na realidade, já havia perdido muito do seu vigor quando da substituição de Floriano Peixoto. Assim, a habilidade política de Prudente, anistiando os principais líderes maragatos, foi importante para o encerramento relativamente pacífico das hostilidades no Rio Grande do Sul”.
O Governo de Prudente de Moraes buscou também resolver questões diplomáticas pendentes ao período imperial. Em sintonia com o momento político que vivia reatou relações diplomáticas com Portugal, rompidas por Floriano em 1893. Desta forma, com a intermediação de Portugal, Prudente tomou posse da ilha de Trindade, tomada do Brasil pela Inglaterra. Em seu governo, também Prudente resolveu as questões das fronteiras com a Argentina, na região das Missões.
Prudente implementou políticas econômicas em protecionismo aos cafeicultores, contrariando as tendências nacionalistas e até modernizadoras dos primeiros governos republicanos. As taxas alfandegarias protecionistas, que de algum modo, se mantinham desde o período de Rui Barbosa, foram alteradas com elevação dos valores em dezembro do ano de 1897.
Diferente do que se ensinava nas histórias contadas aos alunos do ensino fundamental no Estado de São Paulo a grande mancha do governo Prudente de Moraes surgiu com o conflito de Canudos.
A Guerra de Canudos foi um conflito que envolveu a população sertaneja do Nordeste, principalmente da Bahia. Suas causas aludem a situação fundiária do país e ao total abandono em que se encontravam as populações mais humildes.
Nossa estrutura agrária, acontecia com um total descaso das elites conservadoras e do governo com uma população sertaneja. A tensão social explodia com frequência.
Historicamente as alternativas disponíveis à população do sertão eram mínimas. Uma era de banditismo social com moldagem do cangaço. Consequentemente, havia muito misticismo religioso: uma população condenada à miséria material passava a acolher apoio no imaginário espiritual, devoção religiosa com forte exaltação mística: de salvação eterna em troca das misérias terrenas.
Antônio Conselheiro percorria por longas jornadas o interior do Nordeste a pé, realizando discursos e profecias, dando conselhos, proclamando a fé no Reino de Deus. Nos seus limites prestava assistências à população mais severina, como líder comunitário em uma sociedade abusada.
Longas batalhas surgiram desde 1896 com expedições do exército brasileiro para destruir a força motivadora da adoração espiritual e a resistência de um povo que não tinha nada e reivindicavam vida digna. Primeira expedição com cerca de 100 homens do exército foi massacrada pelos moradores de Canudos.
Na segunda expedição foram 500 soldados, além de metralhadoras e canhões, fracassou a caminho do arraial. Nova expedição vem na sequência com 1300 homens trazidos do sul do país, também fracassou.
Definitivamente veio o massacre do Arraial de Canudos que somou um contingente de 15 mil homens trazidos de todas as partes do país. O Arraial de Canudos sofreu intensivos bombardeios, sitiados sem suprimentos ou água, seu destino estava selado, com uma população de 30 mil habitantes. Em 5 de outubro de 1897, o arraial foi derrotado, com os últimos defensores sendo mortos e degolados pelas tropas.
Velhos, crianças cidadãos comuns também foram degolados, mulheres estupradas, antes de encontrarem o mesmo fim, uma covardia que se configura até hoje como o maior massacre em território nacional atribuída a um governo e ao exército brasileiro.
Para quem se interessa por essa história em todas suas controvérsias não pode deixar de ler “Os Sertões” de Euclides da Cunha que interpretou a guerra de Canudos a partir de fontes orais, como os poemas populares e as profecias religiosas, encontrados em papéis e cadernos nas ruínas da comunidade. Baseou-se em profecias apocalípticas, que julgou serem de autoria de Antônio Conselheiro, para criar, em Os sertões, um retrato sombrio do líder da comunidade. Estes poemas e profecias foram o ponto de partida de sua visão de Canudos como movimento sebastianista e messiânico, vinculado a religiosidade da Igreja Católica do século XIX.
Logo, toda deferência ao governo Prudente de Moraes precisa de uma análise histórica mais profunda com pesquisas em novas fontes para sanarem dúvidas que na literatura posterior conta ouvindo-se apenas os vitoriosos sem que os derrotados contassem as suas verdades.
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José Osmir Bertazzoni, jornalista, advogado.