Pedro Kawai
O mais precioso presente que Piracicaba já ganhou, em toda a sua história, foi, inquestionavelmente, o Engenho Central, um admirável conjunto arquitetônico construído em 1881, ainda sob a regência de Dom Pedro II, por Estevão Ribeiro de Sousa Rezende, o “Barão de Rezende”.
Conta a história que, no dia 31 de dezembro daquele mesmo ano, a Câmara aprovou os estatutos da usina e, a partir de outubro do ano seguinte, seus três geradores de energia foram acionados, colocando em funcionamento o maquinário, para o início da produção de açúcar.
Ao coletar dados em obras de Leandro Guerrini, Hugo Pedro Carradore, Cecílio Elias Netto, entre outros, pode-se fazer uma viagem pelo tempo, e compreender a importância que teve, como impulsor da cultura da cana-de-açúcar em Piracicaba a qual, aliás, ainda representa uma importante participação do nosso setor produtivo; e que continua tendo, como propulsor da cultura, expressa pelas manifestações artísticas e pelo talento dos que ali compartilham a sua arte.
Em 1974, já em declínio, o Engenho Central foi vendido para o grupo Silva Gordo. Dois anos depois, o então prefeito Adilson Maluf constituiu uma comissão para analisar a proposta de criação de um empreendimento imobiliário em parte de suas terras. Felizmente, o projeto não prosperou e, em 1980, João Herrmann Netto assinou um protocolo de intenções, por meio do qual os proprietários cederam o local, a título precário, para a realização de uma agro feira, em troca da promessa de, mais tarde, comprar a área na qual ela se realizaria. Desde então, o local foi fechado e o acesso ao público proibido, restando apenas a alternativa de admirá-lo pela outra margem do rio.
Um século após sua venda à Societé Sucrérie Brèsiliennes, em 1989, o então prefeito José Machado assinou o decreto de tombamento do Engenho e iniciou o processo de sua ocupação, levando para lá, a sede da Secretaria Municipal de Ação Cultural. Para que todo aquele patrimônio histórico, arquitetônico, cultural e ambiental pudesse ser, definitivamente, da população piracicabana, seu sucessor, Barjas Negri, fez o pagamento do Engenho Central, quitando, em 2012, a dívida de quase R$ 24 milhões. Na sequência, com o parecer favorável do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Piracicaba, começaram a ser implementadas melhorias na sua infraestrutura, que culminou com a criação do Teatro Erotides de Campos.
Embora esta não seja toda a história do Engenho Central, vale a pena ressaltá-la como uma evidência que atesta a importância das sucessivas administrações municipais para que ele se tornasse o que é hoje. Dizem que, se o rio fosse o sangue da nossa cidade, o Engenho Central seria o coração. Um coração benevolente que, desde 1991, acolhe a maior e mais importante festa da solidariedade de toda a nossa região: a Festa das Nações, com destaque, ainda, para a encenação da Paixão de Cristo, as festas da Primavera, da comunidade japonesa, a Minas Fest, shows artísticos, e o Simpósio Internacional e Mostra de Tecnologia da Agroindústria (SIMTEC), Virada Cultural Paulista, Festival do Circo, entre tantos outros grandes eventos.
Entretanto, a insistência do atual governo municipal em ocupar os barracões do Engenho Central, para economizar com aluguéis de imóveis custeados pela prefeitura, é uma medida perigosa, porque pode determinar o fim do único espaço que a nossa cidade possui, reservado para grandes eventos já que não há qualquer outro local que pertença à municipalidade, capaz de comportar eventos desse porte. Pior que isso, atender aos caprichos de uma cota política poderá custar a interrupção no atendimento de milhares de piracicabanos e piracicabanas que dependem das entidades assistenciais, ou que têm a oportunidade de participar de grandes momentos culturais e de lazer. Triste, porque o Engenho Central não merecia ser uma moeda de troca, um dote.
Evidentemente, não se questiona a prerrogativa do prefeito, o qual foi eleito legitimamente. Contudo, com a mesma humildade com que pediu o voto de cada eleitor e eleitora da nossa cidade, ele poderia realizar uma consulta pública, um plebiscito, para saber se, de fato, a cidade deseja e concorda com a transferência da Biblioteca e da Pinacoteca para o Engenho Central, e a ocupação dos demais barracões com outras secretarias municipais.
Com vimos, a história sabe ser generosa o bastante para não deixar que ações públicas sejam negligenciadas ou esquecidas pelo tempo. Contudo, ela também sabe guardar os vilões e seus feitos.
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Pedro Kawai, vereador em Piracicaba (PSDB)