
Com quatro eixos principais, que se desdobram em oito subprogramas, o Executivo quer estabelecer metas até 2035 para tentar reduzir o déficit de 10.888 unidades habitacionais a que Piracicaba pode chegar daqui a 14 anos, se os gargalos atuais se mantiverem. Os objetivos estão traçados no Plano Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS), cuja nova versão tramita na Câmara sob o projeto de lei complementar 19/2020.
A proposta abrange 24 anexos e atualiza o PMHIS em vigor desde 2011, na esteira da revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento de Piracicaba aprovada com a lei complementar 405/2019. Para discuti-la com a sociedade, a Comissão de Legislação, Justiça e Redação da Câmara promoveu audiência pública na tarde de quarta-feira (9), com a participação de representantes do Executivo, autor da matéria.
A aprovação, pelo Legislativo, do novo PMHIS é vista pelo presidente da Emdhap (Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba), Sérgio Maluf Chaim, como “essencial” para qualificar Piracicaba na captação de recursos estaduais e federais para a implantação de políticas públicas na área, visto que o Orçamento do município não tem espaço para bancar a construção de moradias e obras de regularização fundiária.
A partir da data em que vier a ser sancionado, o PMHIS define metas de curto (nos 5 anos seguintes), médio (10 anos) e longo (15 anos) prazos em quatro áreas de atuação tidas como centrais: regularização fundiária de interesse social (única já em andamento); provisão habitacional; urbanização e requalificação urbana; e melhoria habitacional.
A Emdhap assumiu compromissos de, após a aprovação do PMHIS, captar recursos financeiros, técnicos e tecnológicos para a implementação das ações de políticas públicas apontadas na proposta; elaborar os projetos executivos, cumprindo as metas estabelecidas; e aplicar os indicadores de monitoramento para avaliação dos programas em desenvolvimento.
A audiência pública possibilitou a interação da população por meio das redes sociais. O presidente da CLJR, Josef Borges (Solidariedade), comandou os trabalhos. Ele, os vereadores André Bandeira (PSDB), relator da comissão, Pedro Kawai (PSDB) e as vereadoras Rai de Almeida (PT) e Silvia Morales (PV) compartilharam pontos de vista sobre a proposta após a apresentação de Jorge Henrique da Silva, técnico da Emdhap, sobre os principais aspectos do projeto de lei complementar 19/2020.
VEREADORES
Silvia Morales (PV), do mandato coletivo A Cidade É Sua, destacou o fato de o PMHIS mencionar a intenção de criar um cadastro único de pessoas na fila por moradia, mas mostrou preocupação com outros pontos. A parlamentar questionou como a Emdhap, hoje com defasagem no quadro de funcionários, vai conseguir repor o corpo técnico necessário para a execução do plano. “Não tem mais engenheiros, assistente social. Uma empresa de habitação social sem assistente social é praticamente impossível de se manter”, analisou a ex-servidora da autarquia.
Indagação semelhante foi feita pela vereadora Rai de Almeida (PT), que quis saber como a Emdhap vai “recompor sua força de trabalho”. Segundo Maluf Chaim, a empresa está sendo reorganizada. “Começamos a fazer algumas mudanças, visando exatamente a isso, com os recursos que conseguimos reestruturando: de redução de folha de pagamentos e gastos em geral foram R$ 120 mil”, disse o presidente da autarquia, ponderando que, “infelizmente, estamos num ano travado com novas contratações”, em menção à lei complementar federal 173/2020, que proibiu novos servidores.
Silvia também apontou que “não estão muito claras” as linhas de onde viriam recursos para financiar as ações previstas no PMHIS e perguntou se será possível que os vereadores apresentem emendas ao PLC 19/2020, que será votado pela Câmara, uma vez que todo o conteúdo se condensa em 24 anexos, e não no corpo do projeto em si. O questionamento também foi feito por Rai, sem, no entanto, receber uma resposta afirmativa clara dos representantes do Executivo durante a audiência pública.
Um dos acréscimos que Silvia citou serem necessários é a previsão, pelo PMHIS, da aplicação de outros instrumentos de política urbana, como banco de terras e aluguel de imóveis. “São dispositivos que, acredito, temos de deixar para o próximo plano, que não deve ser muito adiante”, respondeu Maluf Chaim — o novo PMHIS propõe que revisões a cada 5 anos.
Silvia e Rai expuseram, ainda, a preocupação com a reintegração de posse em ocupações ocorridas após o marco legal de 2016 (somente as anteriores a este ano são contempladas pela regularização fundiária) estabelecido pela lei federal 13.465/2017. “É um problema social: é preciso pensar em conjunto, o Legislativo e o Executivo, alguma solução para essas famílias que vão ser reintegradas”, afirmou Silvia.
Maluf Chaim justificou que o Ministério Público foi “muito claro de que não vai deixar regularizar nada depois de 2016”. “Legalmente, a Emdhap nem pode pensar em botar a mão nisso; não podemos regularizar”, disse. “Não estamos virando as costas para essas pessoas: trabalhando em conjunto com a Smads, vamos fazer triagem e acolher quem realmente precisa e não tem para onde ir. Recursos não temos, mas teremos de dar suporte”, completou.
Promessa é regularizar o mesmo número de imóveis de 2 décadas
O presidente da autarquia —em resposta à dúvida colocada pelo vereador Pedro Kawai (PSDB) sobre se a Emdhap continuará restrita à regularização fundiária de interesse social (Reurb-S) e a Secretaria Municipal de Obras, à de interesse específico (Reurb-E)— também esclareceu que, apesar de a divisão de trabalhos se manter, a orientação do prefeito Luciano Almeida (DEM) é para que os órgãos se auxiliem, “unindo esforços”. A intenção do governo, segundo o presidente da Emdhap, é fazer em quatro anos “o mesmo número de regularizações” que a autarquia entregou nos últimos 20.
Representando o Comad (Conselho Municipal de Álcool e Drogas), o CMAS (Conselho Municipal de Assistência Social) e o grupo Mulheres do Brasil do Núcleo Piracicaba, Eliana Cezário mostrou preocupação com os efeitos da crise gerada pela Covid-19 sobre a renda de pessoas beneficiadas por programas habitacionais. “Com a pandemia, houve aumento do desemprego e tivemos problemas com núcleos de habitação e reintegração de posse no Vida Nova”, observou a moradora do residencial. “Muitas famílias vão perder suas moradias, infelizmente. Quero saber para onde elas vão, o que fazer com elas? A reintegração é caso de calamidade pública”, disse.
“Temos visto e sabemos desse problema”, respondeu Maluf Chaim. “Estamos com uma discussão avançada nas secretarias, em que o problema não é habitação, mas trabalho e renda, pois, se as famílias não têm, como pagam o condomínio, as parcelas da Caixa? A Emdhap acaba sendo muitas vezes só o apoio desses moradores: não temos gerenciamento nenhum nisso, pois não fomos nós que construímos; o imóvel não é nosso, é da Caixa. Temos que trabalhar a renda para que possam pagar sua casa e ter essa titularidade.”
O vereador Josef Borges (Solidariedade) salientou que as políticas públicas de interesse social “têm como principal meta garantir à população de baixa renda o acesso a moradia digna”, conforme direito na Constituição Federal. Ele defendeu a interação entre o Legislativo e o Executivo para buscar saídas “viáveis para uma área tão vulnerável, como a habitação”. “Podemos trabalhar de forma integrada, com sinergia entre os poderes, para possibilitar uma solução a essa demanda”, reforçou o presidente da CLJR.
O ponto de vista foi compartilhado pelo vereador André Bandeira (PSDB), relator da comissão. “Precisamos trabalhar isso na cidade, de forma integrada, entre os poderes, para implementar essas ações no município.”
Na mesma linha, o procurador-geral do município, Fábio Ferreira de Moura, disse que vereadores e o governo municipal devem “andar de mãos dadas para o melhor da sociedade” e reconheceu o empenho da Câmara na análise do projeto. “Esta Casa de Leis imediatamente se posicionou e iniciou os trabalhos assim que pedimos o desarquivamento. O resultado é esta audiência pública.”