Pomo de Adão e a maçã

         Cecílio Elias Netto

 

Quando me reporto a experiências anteriores, a algumas delas digo pertencerem àqueles priscos tempos. Pois – diante de pretensiosos que acreditam o mundo estar começando com eles – fico acho que meio aparvalhado. Ora, já se inventou a roda há milhares de anos. Já despertamos para a escrita há séculos sem fim. E – por incrível possa parecer – o sexo existia, era vivido e, desde o início, sempre causou problemas. O exibicionismo da nudez feminina é antiquado demais. Os nossos gênios da pintura, da escultura reproduziram, maravilhados, a beleza da mulher desde as cavernas. Na verdade, na verdade, para mim, “está tudo como d´antes no quartel de Abrantes”. Mais sabiamente ainda, já nos fora revelado: “Nada há de novo sob o Sol”.

Na realidade, estou, apenas, tentando explicar-me, como jornalista de tempos que me parecem quase imemoriais. Primeiramente: nunca se deu, ao jornalista do século passado, o pretexto de alegar falta de assunto. Como, faltar assunto? Absurdo, pois “uma folha que cai estremece as estrelas”. Um pobrezinho pedindo esmola revelaa profunda, a imensa, a absurda injustiça social, fruto de economias desumanas. Um buraco na calçada é notícia, pois, nele, alguém poderá tropeçar e machucar-se. O barulho das ruas exige discussão, causa que também é de angústias, de irritações, de descontroles emocionais. A vida é notícia. A principal de todas. Mais, muito mais do que a morte, esta que parece ter preferência no noticiário mundial. Há colunas de falecimentos. Por que não a de nascimentos?

Não ter o que escrever, falta de assunto isso, pois, não é justificativa para aquele cujo ofício é exatamente escrever. Podem ocorrer – e ocorrem – o cansaço, a exaustão, o desânimo. São nossos limites humanos. Mas assunto sempre existe. Pois a Vida explode em tudo, explosão de beleza. Até mesmo nas pedras. Pois bem. Não posso, não vou, não quero alegar falta de assunto. Muito pelo contrário. O que me angustia é a abordagem, a maneira de fazê-lo. Pois a missão jornalísticaé a de informar formando. Colaborar para a formação. E, nesse momento tão angustiante, como colaborar, como auxiliar na interpretação dos acontecimentos, como acender lampiões para um pouco de mais luz? Eis a angústia.

Não sei a resposta. Confesso estar confuso. Sei, porém, que – apesar de nós, apesar do vírus, apesar das idiotices e maldades de governantes – a Vida continua. E, como sempre, à nossa disposição. À nossa espera. O vírus é uma contingência que, agora, se tornou problema. E, em se revelando problema, desafia-nos à busca de solução. Pois se é problema, há que ter solução.

Enfim, eu ia escrever sobre o pomo de Adão e a maçã. Pois, não é que, em todo esse caos, aprendi porque se deu nome de pomo de Adão àquele caroço que os homens têm na garganta? Éum pedaço da maçã com que ele se engasgou, assustado com a falta cometida. Eu não sabia. E a maçã foi o fruto que carregou o pecado original. Mas, por que a maçã, não outro fruto? E eis que aprendo com alguns autores: quando se corta a maçã pela metade, ela revela o que se assemelha aos genitais femininos. E, dando-se outro corte, a aparência é a dos masculinos. Comove-me saber ter havido eras em que o homem tinha tempo para pensar, imaginar, criar, inventar, produzir mitos e lendas…

Além de aprender o que é o pomo de Adão,confirmou-se-meaquilo que a vida já me ensinara e de que, quase sempre, me esqueço. A cultura inútil não é tão inútil assim. Pois traz leveza, encanto, doçura à vida. A maçã é mais poderosa do que o vírus…

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         Cecílio Elias Netto, escritor, jornalista, decano da imprensa piracicabana ([email protected]); Blog: cecílio.blog.br

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