Camilo Irineu Quartarollo
Nesse advento em que rebrilham estrelas, cometas fugidios parecem verter das árvores (as que restam), o burrinho é lembrado carregando Maria e o menino Jesus. José vai apeado mesmo, como sempre. A cidade tem esses atrativos das luzes, ou tinha.
Além do Natal, com o burro servil e a matança de inocentes, há outro conto assustador. O asno de ouro de Apuleio, no qual o personagem é transformado em animal, mas com sua mente humana. Ou seja, ele sabe que não é burro, mas assim é tratado e obrigado a agir como tal. Como nós, não é cidadãos e cidadãs? Desta vez Maquiavel não previu esse mal de uma só vez, lembraremos sempre que a conta vier. De quem pôs essas tachas municipais.
O prefeito daqui mandou para a Câmara um projeto de lei sobre os cemitérios. Pergunta-se entre os juristas se uma aprovação de vereadores dá direito de profanação de jazidos, sem a assinação da família?! A violação de sepultura, além do desrespeito é crime previsto pelo artigo 210 do Código Penal. O direito humano fúnebre pode ser votado por vereadores com o objetivo de restrição, lhes cabem isso?! O direito dos falecidos e de seus familiares incluem o sepultamento digno, a memória e a proteção da Lei, conforme a Constituição Federal e normas internacionais.
Nosso prefeito eleito simplesmente passa o patrimônio público a uma Sigla. Uma empresa de não se sabe donde e algum barbudo passa a gerir o que era de nós todos. Nos faz a nós de burros e aos restos mortais de nossos pais adubo, os jazigos viram ativos financeiros.
Olhem o que pode acontecer com o piracicabano! A mesma desdita do aposentado Luiz Antônio Muniz de Souza e Castro, no cemitério da Consolação. Ele pensou que havia se perdido nas ruas estreitas do campo santo, mas estava diante do que fora o jazigo da família. Se as famílias deixarem de pagar uma taxa anual — que não existia antes e será cobrada — ou se não realizarem a conservação exigida, os jazigos vão para as empresas revender a valores altos.
Mais de quinhentas famílias já perderam o direito sobre uso de suas sepulturas nos cemitérios paulistanos do Araçá, Vila Mariana e Quarta Parada, segundo o UOL e, segundo esse mesmo portal de notícias, quase dezoito mil famílias estão nessa condição.
Lá em São Paulo, desde março de 2023, vinte e dois cemitérios eram geridos por quatro concessionárias, quais sejam, a Cortel SP, Velar SP, Consolare e Grupo Maya. A partir daí as novas administradoras públicas definiam o que é ou não abandono, convocavam os responsáveis a regularizar a situação indicada. Quem não respondia a esse chamado ou se não tivesse bufunfa para arcar com os custos da reforma da sepultura, babau. Ora, como em muitas concessões pelo país e Estado, reclamar com essas empresas é quase impossível. São siglas, páginas na Net, de negócios.
Enquanto isso no plenário da Câmara de vereadores, leituras bíblicas no meio da sessão, atropelo de pautas, vereadores que fogem do plenário em plena fala de colegas, quóruns mínimos e nada mais. Cadê o legislativo? Ah, tem o minutinho de silêncio aos mortos! Aos vivos… um pouco mais.
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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, autor de crônicas, historietas, artigos e livros, como Contos inacreditáveis da vida Adulta