O ciclo de endividamento que não para

Gregório José

 

Setembro de 2025 trouxe mais uma evidência de que o endividamento no Brasil não é um problema passageiro, é uma engrenagem que gira sem trégua, esmagando consumidores e corroendo a saúde financeira da população. Segundo o Indicador de Reincidência de Pessoas Físicas, apurado pela CNDL e pelo SPC Brasil, 85,5% das negativações envolveram devedores reincidentes – pessoas que já figuraram nas listas de inadimplentes nos últimos 12 meses.

O dado por si só é chocante. Mas o que ele revela, de fato, é ainda mais grave, uma vez que 63,32% dos reincidentes ainda não haviam quitado suas dívidas antigas quando foram negativados novamente, e outros 22,18% retornaram ao cadastro após um período de aparente regularização. Apenas 14,5% eram inadimplentes pela primeira vez no último ano.

O intervalo médio entre o vencimento de uma dívida e a próxima pendência é de apenas 73,9 dias. Em outras palavras, cerca de dois meses e meio após uma dívida vencer, outra já está batendo à porta.

Não se trata de uma falha individual, mas de um ciclo estrutural que combina crédito caro, juros elevados e políticas públicas insuficientes. A reincidência cresceu 7,86% nos últimos 12 meses – um sinal inequívoco de que medidas isoladas de cobrança não resolvem nada e, muitas vezes, apenas prolongam o sofrimento do devedor. Como ressalta José César da Costa, presidente da CNDL, “a negativação não é um evento isolado, mas parte de um ciclo recorrente de endividamento”.

O perfil dos devedores reincidentes reforça a dimensão social da questão e que predomina entre indivíduos de 30 a 39 anos, em plena idade produtiva, e a distribuição de gênero é equilibrada. São pessoas ativas economicamente, mas presas em um ciclo que mina renda e capacidade de consumo, mostrando que endividamento não é apenas resultado de escolhas pessoais, mas de um sistema financeiro predatório e pouco inclusivo.

A recuperação de crédito vai na direção contrária. Nos últimos 12 meses, caiu 9,68%, com destaque para aqueles que levaram de quatro a cinco anos para quitar suas dívidas, cuja recuperação caiu 22,82%. A faixa etária predominante entre os que conseguiram limpar o nome é de 50 a 64 anos, e a maior parte dos pagamentos realizados corresponde a valores baixos – 56,71% quitando até R$ 500. O valor médio pago, R$ 2.296,54, confirma que a quitação plena ainda é exceção, não regra.

O diagnóstico é claro. O Brasil convive com um ciclo de endividamento crônico, marcado por reincidência elevada, recuperação parcial e exclusão financeira estrutural. Romper esse ciclo exige soluções integradas: produtos financeiros que priorizem a reabilitação, políticas regulatórias que reduzam armadilhas, intervenções comportamentais de baixo custo e programas públicos que promovam crédito saudável. Sem essa agenda, o país continuará a assistir milhões de cidadãos presos em uma espiral de dívida e frustração, enquanto a economia perde eficiência e confiança.

O alerta é sombrio. Endividamento e reincidência não são acidentes – são sintomas de um sistema que, se não for repensado, continuará a punir os mais vulneráveis.

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Gregório José, jornalista, radialista e filósofo

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