“In Extremis” (303)

 

Um lugar para voltar

                                    Cecílio Elias Netto

 

Há poucos meses, um adolescente – lá pelos seus 15, 16 anos – contava-nos de sua alegria pelos prazerosos dias que estava vivendo. Regozijamo-nos com e por ele, também contentes com seu próprio contentamento. Ora, como é bom saber de jovens iniciando-se na aventura de viver! Velhote bisbilhoteiro, perguntei-lhe daquela letícia toda, de sua vívida juventude. Lamentei-me de tê-lo feito. Melhormente: fiquei confuso.

Não devia ter perguntado. Quando se falava, anteriormente, de conflitos entre mundos e gerações diferentes, tratava-se, realmente, de deficiência de diálogo, de entendimentos. Pois, em meu entender, o que sempre houve foram relações entre pessoas. Gerações anteriores estão a serviço das mais novas, sem que isso lhes impeça, a estas, viverem seus sonhos e ideais. A rebeldia, o desejo de transformação são próprios da juventude. Ou deveriam ser. Ou eram.

Trata-se, pois, e, na realidade, apenas outra das crescentes perplexidades correntes nas vidas dos mais idosos. Ou do escrevinhador, cada vez mais ciente da necessidade de aprender e de reaprender, de entender e de compreender. Caramba! Como há de se entender coisas que nunca aconteceram antes? Lá pela década dos 1950, logo no pós-guerra, iniciara-se o que se tornaria a grande revolução dos costumes. Em nível mundial, ainda que o universo das comunicações estivesse nos primeiros passos de sua fantástica jornada. Assumiam-se riscos, tentativas, ocorriam ousadias até mesmo temerárias para a época. Mas aconteciam. E, muitas delas foram absorvidas, com a ciência e a tecnologia alterando-nos a maneira de viver. Um moto-contínuo causador de espantos.

Estavam em jogo conceitos, noções e entendimentos que, até então, pareciam sólidos, indiscutíveis. Um dos mais notáveis intelectuais da época, Norberto Bobbio, insistia naquela que deveria ser a grande tarefa dos homens de cultura: “A de, mais do que nunca, semear dúvidas, não a de colher certezas.” A “nova era” estava disposta a romper com dogmatismos, mandamentos, com convicções quase que intocáveis. No entanto, nunca houve consenso com o que viria depois, qual a construção se ergueria depois do edifício destruído.

A pequenina curiosidade a respeito da notória alegria vivida por aquele adolescente, serviu, ao interrogante, para ainda mais reflexões. O prazer do rapaz, seu grande divertimento era ter voltado para a casa dos pais, recolhendo-se a seu quarto. E lá, de portas fechadas – através do celular ou do computador – conversar, divertir-se, amar, relacionar-se com seus amigos. Retornar, pois, ao ninho. Voar virtualmente, seguro de ter onde ficar.

Dúvidas, pois, parece que os idosos as temos em abundância. E, há muitos e muitos anos, já abalaram diversas das antigas certezas. Nossa hora, porém, qual seria: a de teimarmos em transmitir experiências, ou a de vivenciarmos as instintivas buscas da juventude? Mergulhadas na mais sofisticada das tecnologias, crianças já não aceitam ensinamentos em salas de aula, ministrados pela voz humana. Precisamos levá-las de volta ou deveríamos ir ao encontro delas?

Algo, porém, parece-me já estar aprendendo com essas outras gerações. Pois – desde a já distante infância dos filhos – tentamos, a mãe deles e eu, orientá-los para a aventura de viver: “O lar não é o lugar onde se fica, mas para onde se volta.” E, então, a perplexidade diante do novo torna-se emocionada e sentida ansiedade: vê-los irem-se em busca de suas escolhas, aguardando-os retornarem para, em cada dia, continuar nossa história de amor. Eles têm o lugar de voltar. E o pai, o de aguardar.

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Cecílio Elias Netto, escritor, jornalista, decano da imprensa piracicabana

 

 

 

 

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