Barjas Negri
Em 1978, alguns amigos de São Paulo me convidaram para participar ativamente da campanha ao Senado Federal naquele ano. Isso mesmo: campanha para o Senado. Desde 1964, após o golpe militar que implantou a ditadura no Brasil, não havia eleições diretas para governador dos estados e para presidente da República.
O MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido que simbolizava a resistência à ditadura, lutava bravamente pela redemocratização do país, pela volta das eleições diretas para governador e presidente, e contra a censura e a repressão — um período sombrio e angustiante da nossa história. A estratégia era lançar candidatos competitivos ao Senado Federal, que pudessem representar os estados na chamada “Câmara Alta”, sempre comprometidos com a defesa das liberdades democráticas. Sem muita experiência, aceitei o desafio e embarquei na campanha.
O candidato escolhido era um professor universitário. As chances de vitória eram pequenas, mas a candidatura ajudaria a dar visibilidade ao MDB e a pautar o debate político. Na época, eu havia concluído o mestrado em Economia na Unicamp e lecionava na Unimep. Reunimos professores da Unimep, da Esalq-USP, da rede estadual de ensino, além de estudantes, sindicalistas e muitas pessoas de Piracicaba engajadas na luta pela democracia.
Organizamos uma “vaquinha” para arrecadar recursos e alugamos um imóvel na Rua Benjamin Constant, entre as ruas Moraes Barros e Quinze de Novembro, onde instalamos o “Comitê Eleitoral”. O espaço funcionava quase todos os dias com o trabalho voluntário de militantes que organizavam panfletagens no terminal de ônibus urbano e nas ruas do centro. Foi um trabalho coletivo vibrante.
Em determinado momento, surgiu a ideia de realizar um comício — que ainda era permitido em 1978 — para apresentar o candidato ao povo piracicabano. Escolhemos o Largo São Benedito, na Rua do Rosário, no centro da cidade. Alugamos um caminhão, equipamentos de som e marcamos o evento entre 18h e 19h, para coincidir com a saída dos trabalhadores e com o horário dos estudantes da Unimep. Tudo dentro do calendário eleitoral, já que as eleições seriam em 15 de novembro.
No entanto, no dia marcado, o tempo não ajudou. Pouca gente compareceu e, quando o comício começou, uma ventania seguida de forte chuva dispersou quase todos os presentes, restando apenas algumas lideranças em cima do caminhão junto ao candidato. Não havia o que fazer: o comício foi cancelado. Muitos ficaram desapontados, mas o candidato, sereno, consolou a todos dizendo que imprevistos fazem parte da caminhada.
Após o episódio, convidei-o para jantar em uma pequena pizzaria na Rua Prudente de Moraes, para onde fomos a pé. Durante a refeição, conversamos sobre política, estratégias de campanha e o futuro do MDB. Pedi desculpas pelo fracasso do comício, mas ele repetiu com tranquilidade: “Isso acontece. Vamos em frente.”
No fim, o grande vencedor daquela eleição foi Franco Montoro (MDB). Nosso candidato ficou em segundo lugar, conquistando a vaga de primeiro suplente. Em 1982, quando Montoro foi eleito governador de São Paulo, ele assumiu a cadeira de senador da República por quatro anos.
Aquela experiência foi marcante e transformadora. Nosso candidato, Fernando Henrique Cardoso, conquistou visibilidade política e, 16 anos depois, foi eleito presidente da República Federativa do Brasil. À frente do governo, implantou o Plano Real e entrou para a história como um dos mais importantes presidentes do país.
Ocupei alguns cargos no governo FHC e, em 2002, tive a honra de integrar sua equipe como Ministro da Saúde, coroando uma trajetória que começou de forma modesta, com um comício frustrado em Piracicaba, mas que ajudou a abrir caminhos para a democracia brasileira.
___________
Barjas Negri foi ministro da Saúde e prefeito de Piracicaba por três gestões