Poderes e descompasso com a população

Adilson Roberto Gonçalves

 

O poder constitucional no Brasil é tripartite. Acostumamo-nos a focar o Executivo como o principal mandatário da República, mas sem o Legislativo e o Judiciário pouca coisa caminharia de forma democrática. Os freios e contrapesos que tantos clamam como fundamental no jogo político é o que leva à suposta harmonia entre os poderes.

A Presidência do país tem perdido importância, pois, em uma manobra nefasta, o Parlamento passou a administrar parte significativa do orçamento, o que acaba por corroer aquela divisão do poder. Não apenas isso, pois outras questões políticas dependem fortemente de aprovação por senadores e deputados. A Constituição de 1988 teve forte característica parlamentarista em sua elaboração, mas, no momento de estabelecer o sistema de governo, os constituintes deixaram a decisão para o plebiscito, em que a população optou explicitamente pelo presidencialismo. Ou seja, a Constituição já nasceu com descompasso entre duas esferas do poder.

No momento, após bate-cabeça na comunicação da Presidência, o governo Lula volta a ganhar confiança e popularidade, o que valida a pretensão à reeleição no ano que vem. Está acertando o passo com o eleitor.

O Congresso Nacional, em princípio, deveria se preocupar em fazer as leis, ou seja, ouvir a população e sentir as mudanças sociais ao longo do tempo e alterar a legislação e suas regulações para atender a essa evolução, dentro de uma lógica de longo prazo. Mas vemos que muitas leis são votadas de afogadilho ou por interesses momentâneos em função de algum fato político.

Assim, o Senado acabou por mostrar quem é o verdadeiro dono do voto: o povo. O próximo passo é, na próxima eleição, o eleitor enterrar também todos os 353 deputados federais que votaram a favor da PEC da blindagem. Alguns tentaram se redimir não votando no segundo turno daquela PEC, outros se dizem arrependidos nas redes sociais, mas fato é que todo voto que vierem a ter daqui a um ano será voto de conivência do eleitor com a impunidade. Em 2026 será interessante avaliar a índole da população pelas urnas. Isso porque é da população que sai a qualidade do poder que nos governa.

O Judiciário é algo mais distante do voto. O Supremo Tribunal Federal (STF), pelo menos, é composto por ministros que são indicados pelo Presidente e referendados pelo Senado. Ou seja, indiretamente – e muito indiretamente – é composto pelos detentores do voto popular. Nas cortes inferiores, a ocupação é bem mais distinta. No momento, houve mudança na presidência do STF, com a saída de Luís Roberto Barroso e entrada de Luiz Edson Fachin. Em entrevistas e artigos para os jornais, Barroso falou sobre os avanços em sua gestão. Pena que em sua presidência no STF não foi abordada a questão da descriminalização do aborto. Seria um ganho civilizatório imenso. Mas concordo com ele que a defesa da democracia foi a obra da maior relevância do tribunal que nos garantiu hoje estarmos colocando na cadeia, pela primeira vez, quem atentou contra o país.

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Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp – Rio Claro

 

 

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