Preços e valores de vistos e votos

Adilson Roberto Gonçalves

 

Luiz Fux não pediu vista. Manteve o visto. Na última etapa do julgamento no STF do núcleo crucial da tentativa de golpe de Estado, vimos os verdadeiros valores que magistrados dão à democracia e ao próprio bolso. Aparentemente, temos visto a venda de voto para manter o visto.

Mesmo a ficção não prescinde de um bom roteiro. Filmes ou livros que não fluem é porque não foram devidamente estruturados e não contam uma boa estória. O voto de 13 horas de Luiz Fux foi assim constituído. Desmembrou atividades criminosas dos réus como se fosse possível o cérebro atuar sem o sangue que lhe chega vindo do coração, ou o pulmão funcionar sem comandos neurológicos. Como foi dito no julgamento, não existe um bife de picanha sem ter havido um boi antes que tenha originado esse pedaço de carne. O monstro de Frankenstein, por mais colagem de peças que tenha sido, ainda assim funcionou. O voto de Luiz Fux não.

Naquela noite, até os operadores do Direito, que, atentos ao julgamento histórico no STF, imaginavam um voto dissonante, ficaram constrangidos por verem cair por terra muitos dos clássicos do pensamento que estudam na faculdade. Quer dizer, teriam deixado de ser fundamentos se não houvesse o contraponto contundente dos demais ministros na sequência. Fux mentiu e omitiu para criar um imaginário alheio às provas e aos fartos fatos constantes dos autos. “A mão e a luva”, que usou para tentar fundamentar suas contradições, é apenas um bom título para o segundo romance de Machado de Assis.

Flávio Dino, por seu turno, foi preciso ao indagar se apenas Mauro Cid estava sendo condenado, antes de um intervalo. Luiz Fux disse que outros haveria, mas apenas Walter Braga Netto integraria o rol.

Cármen Lúcia foi quem trouxe dignidade à Corte, desmontando um por um os desvarios de Luiz Fux, aparteada pelo relator Alexandre de Moraes, e ainda por Flávio Dino e pelo presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin. Havia, é claro, sintonia entre eles, isolando o cabisbaixo e, talvez, envergonhado Fux. Os quatro ministros que condenaram todos os réus não se intimidaram com as sanções impostas a seus cartões de crédito, contas bancárias e vistos para o exterior. Seus votos tiveram o valor da democracia.

Juízes podem mudar seus votos e seu entendimento sobre ações específicas. Normalmente, isso acontece quando há fato novo. Já vimos acontecer, por exemplo, no julgamento do que ficou conhecido como Lava Jato. No caso do presente voto de Luiz Fux, nada aconteceu de diferente desde o julgamento que tem sido conduzido desde o ano passado, envolvendo os criminosos do 8 de Janeiro. Bem, na verdade, houve as sanções de Donald Trump, justificada não pela economia, mas pela ideologia, ao defender a aplicação de tarifas ao Brasil porque queria a impunidade de um dos réus, agora comprovadamente o líder da organização criminosa Jair Bolsonaro. Coincidência? Talvez sejam as verdinhas norte-americanas o verdadeiro motivo da mudança de entendimento de Luiz Fux. Venda de votos, manutenção do visto.

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Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp – Rio Claro

 

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