Violência contra a mulher e saúde bucal: uma relação muitas vezes invisível

Rai de Almeida

 

A violência contra a mulher, em suas diversas formas (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral), é um grave problema de saúde pública e de direitos humanos. Suas consequências são profundas e afetam o bem-estar geral e a qualidade de vida das mulheres. Embora a violência física seja a mais reconhecida, muitas vezes os impactos na saúde bucal são subestimados ou ignorados, mesmo por profissionais de saúde. No entanto, é crucial entender que existe uma forte e preocupante relação entre a violência e a saúde da boca.

A boca e a face são alvos frequentes da violência física. Lesões nessa região, como fraturas de mandíbula, dentes quebrados ou arrancados, hematomas, cortes nos lábios e bochechas, e até mesmo queimaduras, são sinais diretos de agressão. É importante que cirurgiões-dentistas e demais profissionais de saúde saibam identificar esses sinais, que podem ser a única evidência visível de que uma mulher está sofrendo violência.

Além das lesões diretas, a violência também impacta a saúde bucal de forma indireta e crônica. O estresse e a ansiedade resultantes do ambiente de violência podem levar a hábitos nocivos, como o bruxismo (ranger ou apertar os dentes) que provoca desgaste dentário e dores na articulação temporomandibular (ATM). A negligência com a própria higiene bucal, a falta de acesso a serviços odontológicos e a má alimentação, comuns em situações de abuso, contribuem para o desenvolvimento de cáries, doenças gengivais e perda de dentes. Também, a violência sexual também pode ter consequências diretas na saúde bucal, como lacerações na garganta ou na boca e transmissão de IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), que afetam a cavidade oral.

Diante desse cenário, os profissionais de saúde bucal têm um papel fundamental na identificação, acolhimento e encaminhamento de mulheres em situação de violência. Mais do que tratar as lesões físicas, eles podem ser a primeira e única fonte de ajuda para muitas vítimas. Para isso, é essencial que os cirurgiões-dentistas estejam preparados para identificar sinais suspeitos como observar padrões de lesões que não condizem com as explicações dadas pela paciente, como lesões em diferentes estágios de cicatrização, fraturas de dentes e ossos faciais sem causa aparente ou múltiplas lesões na região da cabeça e pescoço – sendo preciso oferecer um atendimento acolhedor, criando um ambiente de confiança onde a mulher se sinta segura para compartilhar sua história.

Nesse sentido, importa destacar o fundamental trabalho que vem sendo desenvolvido pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-UNICAMP), por meio do curso de capacitação para o atendimento às vítimas de violência destinado a cirurgiões-dentistas e coordenado pela professora doutora Luciane Miranda Guerra. Como informa a própria doutora, esse curso propõe uma capacitação que vai além do conhecimento técnico acerca das lesões e formas de tratamento, fornecendo também informações que vão capacitar os profissionais para o cuidado necessário no atendimento a esse público – passando pela forma de notificação dos casos nos sistemas e pelo encaminhamento da vítima dentro da rede de cuidados.

Atento a esse projeto e curso, nosso mandato mantém contato e diálogo diretos com suas responsáveis – buscando formas de contribuir para que o curso ganhe ainda mais visibilidade e sua proposta chegue ao maior número de dentistas o possível. Afinal, é preciso trazer a esperança de volta às mulheres (e a todas as demais) vítimas de violência – propiciando a elas condições e caminhos para que possam mudar suas vidas em definitivo. Oferecer encaminhamento profissional, seguro, responsável às vítimas de violência, resgatando nelas também a possibilidade de voltarem a sorrir é, com certeza, um desses caminhos.

Vamos juntas!

(Se você está em uma situação de violência ou conhece alguém que esteja, procure ajuda. Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher – para denúncias ou orientações).

______

Rai de Almeida é vereadora do PT em Piracicaba

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima