Ilnah Toledo Augusto
Em um mundo de julgamentos rápidos nas redes sociais, proteger esse direito fundamental é proteger a própria essência de um Estado Democrático de Direito
O que une um cidadão piracicabano acusado de um delito a um grande empresário ou a um político investigado em Brasília? A resposta está em um dos pilares mais importantes da nossa civilização jurídica: a presunção de inocência.
Consagrado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, que diz “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória”, este princípio é muito mais que uma mera formalidade processual. Ele é a expressão máxima do respeito à dignidade da pessoa humana e uma garantia contra os abusos do poder estatal.
Em termos simples, a presunção de inocência significa que toda pessoa, independentemente da gravidade da acusação que pesa contra ela, é inocente até que se prove o contrário por meio de um processo legal, justo e completo. A carga da prova é sempre do acusador (o Ministério Público), e não do acusado. Esse não é obrigado a provar sua inocência; o Estado é que deve provar, de forma robusta e incontestável, sua culpa.
Imagine o cenário contrário: um Estado onde qualquer acusação, mesmo sem provas, já gera consequências devastadoras. Sem a presunção de inocência, a mera suspeita poderia arruinar reputações, custar empregos, destruir famílias e levar à prisão de inocentes. Esse direito é um escudo que nos protege contra a arbitrariedade e os erros judiciais, que, por mais que o sistema se esforce, sempre são possíveis.
Vivemos na era da informação instantânea. Notícias de investigações e prisões se espalham como rastilho de pólvora nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp. É aqui que o princípio sofre sua maior pressão. O “julgamento pela mídia” ou o “julgamento nas redes” muitas vezes condena o indivíduo no tribunal da opinião pública muito antes de ele ter o direito ao amplo direito de defesa e a um julgamento imparcial.
É crucial que, como sociedade, aprender a separar a acusação da condenação com trânsito em julgado. Ler uma manchete sobre uma prisão em flagrante ou uma operação da polícia não pode ser o suficiente para se sentenciar moralmente um indivíduo. A complexidade do processo judicial existe justamente para apurar os fatos com calma, técnica e legalidade, algo muito diferente da reação imediata e emocional das redes.
Este não é um debate distante, restrito aos tribunais superiores. Ele se reflete no cotidiano da nossa cidade. Quando um comerciante, um professor ou um estudante é erroneamente associado a um fato ilícito, é a presunção de inocência – e o nosso respeito coletivo a ela – que impedirá que suas vidas sejam injustamente destruídas por fofocas ou informações desencontradas.
Respeitar esse princípio é, portanto, um exercício de cidadania. É lembrar que todo ser humano merece um tratamento digno e justo, e que a justiça não se faz com linchamentos morais, mas com investigações sérias, devido processo legal e o direito de defesa.
A presunção de inocência não é uma “lei para proteger bandidos”, como alguns equivocadamente pregam. É uma lei para proteger inocentes. É uma garantia civilizatória que protege a todos nós, cidadãos comuns, de possíveis excessos do Estado e dos julgamentos sumários da multidão. Preservá-la é garantir que a busca por justiça não sacrifique a liberdade e a dignidade que são a base da nossa democracia.
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Ilnah Toledo Augusto, professora, coordenadora do curso de Direito do Núcleo Preparatório da Ordem, doutora em Direito, mestre em Direito