Adelino Francisco de Oliveira
O capitalismo é a base de uma economia sem coração, indiferente ao sofrimento material e mental de milhões de pessoas. É um sistema fundado no princípio da trapaça. Os bens produzidos coletivamente são apropriados por uma minoria, que consegue alcançar uma vida plena de possibilidades, enquanto a grande maioria padece, submetida a uma lógica de opressão e exploração, por meio de uma rotina de trabalho exaustivo e alienante. Na dinâmica de perpetuação desta perversa lógica histórica, a ideologia neoliberal organiza todo um discurso econômico, com o intuito de convencer e impor aos pobres a violência da austeridade, que representa, no limite, a perda sistemática de direitos, tudo para que o sistema se mantenha, mesmo na evidência gritante de sua insustentabilidade social e ambiental.
Diante deste cenário estrutural, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) representa uma força organizada de resistência a esta lógica perversa que define o capitalismo neoliberal. O MST constitui-se como movimento genuíno de resistência, que eclode em muitos sentidos, articulando uma outra dinâmica de relações humanas, alicerçadas em uma nova sociabilidade, revolucionariamente pautada nos princípios éticos da solidariedade, da comunhão, da igualdade, da liberdade, da agroecologia e do direito. Princípios estes que são tecidos e cultivados, diuturnamente, no interior do movimento, em todas as suas atividades.
A dimensão da mística, que tem lugar geralmente no início das ações e encontros desenvolvidos no âmbito do MST, compõe-se como uma das estratégias didático-pedagógicas que visam a formação e o cultivo de uma outra mentalidade sócio-político-ambiental. A mística, no bojo de toda sua complexidade, contempla aspectos lúdicos, criativos, simbólicos, artísticos, cênicos, performáticos. Seja na contundência das letras musicadas e entoadas ou mesmo na beleza e força dos poemas cenicamente declamados ou ainda na simbologia que reveste toda uma representação e gestualidade, o momento da mística, em uma dinâmica profundamente envolvente e humanizadora, acaba se compondo como uma intensa experiência de educação popular, capaz de tocar e sensibilizar, semeando e reforçando valores políticos, ecológicos e sociais.
A dimensão da mística no MST remete a uma metodologia de luta histórica, que encontra suas raízes na práxis da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e também nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), fontes inspiradoras para as concepções da Teologia da Libertação. Subjacente ao impactante momento da mística situa-se a perspectiva do método ver, julgar e agir. A realidade que deve ser desvelada e compreendida de maneira estrutural e conjuntural. O posicionamento crítico e problematizador diante desta realidade, tendo como referências fundamentais os direitos humanos e a ética da justiça social e ambiental. A coragem revolucionária da ação política, na luta coletiva pela transformação social, apontando para as possibilidades de um tempo de justiça, abrindo caminho para a superação histórica do capitalismo.
A sabedoria pedagógica que se desdobra da mística, no contexto do MST, revela que o processo de resistência e luta por libertação contempla também uma disputa no campo simbólico. O capitalismo, com todos os valores vazios que procura disseminar, deve ser pedagogicamente exposto, confrontado e derrotado também no campo do jogo de linguagem, nas representações simbólicas, apontando para a capacidade cultural de reinventar o humano em suas relações sociais e com a natureza. A estética da mística, na dinâmica mais profunda dos encontros e atividades do MST, enfatiza uma ética revolucionária, pautada na esperança que brota da unidade da classe trabalhadora da cidade e do campo.
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Adelino Francisco de Oliveira, professor do Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba; e-mail: [email protected]