Fausto Longo –
Piracicaba está diante de uma encruzilhada silenciosa, porém decisiva. A forma como nossa geração escolherá intervir — ou se omitir — diante das transformações urbanas em curso definirá não apenas o cenário da cidade nos próximos anos, mas também o legado que deixaremos às futuras gerações.
Assusta o imobilismo das autoridades locais em relação ao modelo de ocupação da orla do Rio Piracicaba. Trata-se de um eixo definidor de nossa identidade urbana, ambiental e afetiva. A negligência no debate sobre seu futuro pode resultar em danos irreversíveis ao patrimônio paisagístico da cidade, comprometendo um valor coletivo que não nos pertence em exclusividade: somos apenas guardiões temporários.
Historicamente, quando a identidade de uma cidade ameaça ser descaracterizada, é papel das entidades civis mais representativas protagonizar um debate qualificado, que vá além de consensos superficiais ou polarizações políticas. Não se trata de aprovar ou rejeitar empreendimentos de forma precipitada, mas de abrir espaço para uma discussão séria, transparente e, sobretudo, orientada pelo interesse público.
É legítimo, portanto, questionar: por que a proposta de edificação de torres residenciais na área da antiga Companhia Boyes — um dos pontos mais sensíveis da margem do rio — não está sendo amplamente debatida com a sociedade civil organizada? Por que o silêncio dos poderes constituídos diante de um projeto que, se levado adiante, abrirá um perigoso precedente urbanístico? Que cidade queremos ver refletida no nosso horizonte?
O argumento de que o progresso exige concessões é frequentemente invocado, mas progresso não é sinônimo de verticalização desordenada ou descaracterização dos símbolos urbanos. Existem, sim, alternativas técnicas, jurídicas e urbanísticas capazes de compatibilizar desenvolvimento com preservação.
Uma delas seria a estruturação de uma Operação Urbana Consorciada (OUC), nos moldes das que requalificaram importantes regiões de São Paulo, como a Nova Faria Lima. Instrumento previsto no Estatuto da Cidade, a OUC permitiria estabelecer regras claras de uso e ocupação do solo para toda a orla, articulando investimentos privados e diretrizes públicas com foco em sustentabilidade, mobilidade e identidade urbana. Não faltam exemplos bem-sucedidos pelo Brasil.
O que falta, infelizmente, é vontade política de liderar esse debate com coragem e visão estratégica. Modernizar a cidade é necessário. Mas fazê-lo às custas da destruição de seus bens paisagísticos mais emblemáticos é um erro irreversível. Piracicaba merece mais do que decisões apressadas ou silenciosas: merece planejamento, respeito à história e compromisso com um futuro verdadeiramente coletivo. E deixo algumas sugestões.
Numa simples pesquisa no Google, na Wikipédia e algumas perguntas no ChatGPT pode-se perceber que seria perfeitamente possível estruturar uma Operação Urbana Consorciada (OUC) nos moldes da que viabilizou o desenvolvimento da Nova Faria Lima em São Paulo para a orla histórica do Rio Piracicaba. Trata-se de um poderoso instrumento legal previsto no Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001), que permite a transformação coordenada de áreas urbanas específicas com a participação do setor público e privado, priorizando o interesse coletivo.
A estrutura técnica e política inicial para a criação de uma Operação Urbana Orla do Rio Piracicaba, focada em áreas como a Companhia Boyes e outras propriedades vizinhas tombadas ou subutilizadas:
Operação Urbana Consorciada “Orla do Patrimônio” – Piracicaba
FUNDAMENTO LEGAL – Estatuto da Cidade – Lei 10.257/2001 (art. 32 a 34); Plano Diretor Municipal (necessária inclusão via lei específica); Lei de Uso e Ocupação do Solo e Zoneamento.
OBJETIVOS DA OUC – 1. Preservar e requalificar o patrimônio histórico e paisagístico da orla do Rio Piracicaba. 2. Evitar verticalizações predatórias e descaracterizações arquitetônicas. 3. Criar contrapartidas financeiras justas para os proprietários através de instrumentos de outorga onerosa. 4. Fomentar investimentos privados regulados em projetos de uso cultural, turístico, ambiental e tecnológico. 5. Ampliar o acesso público e a integração urbana da região central com o rio.
ÁREAS ABRANGIDAS (proposta inicial) – Companhia Boyes e entorno; Antiga Estação da Paulista; Armazéns desativados e imóveis subutilizados ao longo do leito urbano do rio; Trechos urbanos das margens entre o Parque do Mirante, da Rua do Porto e o Engenho Central.
INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS APLICÁVEIS – CEPACs (Certificados de Potencial Adicional de Construção); Outorga Onerosa do Direito de Construir; Transferência do Direito de Construir; Tombamento com Uso Econômico Regrado; Permutas urbanísticas com contrapartida pública; Zonas Especiais de Interesse Cultural e Ambiental (ZEICAs).
MODELO DE FINANCIAMENTO – Venda de CEPACs para investidores interessados em construir em áreas previamente definidas (com limitação de gabarito e uso). Criação de um Fundo da Operação Urbana, destinado a: Requalificação da infraestrutura urbana e ambiental da orla; Restauração de bens tombados; Implantação de parques lineares e equipamentos públicos culturais; Estímulo à habitação de interesse social em áreas internas do centro expandido; Fomento a usos econômicos compatíveis: cultura, turismo, tecnologia, gastronomia, hotelaria de baixo impacto.
GOVERNANÇA DA OPERAÇÃO URBANA – Comitê Gestor Paritário (Prefeitura, CODEPAC, entidades representativas da sociedade civil, universidades, setor produtivo); Audiências públicas e processo participativo obrigatório; Relatórios periódicos de impacto, execução e arrecadação.
BENEFÍCIOS ESPERADOS – Evita a destruição do skyline e da memória urbana. Cria valor econômico com uso regulado e inteligente do solo. Traz investimento privado com controle e direção pública. Revitaliza o centro histórico e atrai novos usos (turismo, inovação, cultura). Gera empregos e oportunidades com base no patrimônio e na natureza.
Exemplo de contrapartida exigida por projeto aprovado: Proprietário deseja construir um hotel de 3 andares com boulevard gastronômico → ele adquire CEPACs e, como contrapartida, restaura parte da estrutura histórica e doa à cidade um espaço multiuso de uso público gratuito.
PRÓXIMOS PASSOS SUGERIDOS – 1. Estudo técnico preliminar com IPPLAP e especialistas em urbanismo e patrimônio. 2. Ofício à Câmara e ao Executivo Municipal sugerindo a criação de um grupo de trabalho técnico para estruturação da proposta. 3. Envolvimento da população local por meio de oficinas e debates. 4. Identificação de parceiros institucionais (CAU, CREA, IAB, universidades, entidades de classe, investidores).
Minuta de Projeto de Lei Municipal – Institui a Operação Urbana Consorciada “Orla do Patrimônio” no Município de Piracicaba e dá outras providências.
Art. 1º Fica instituída, nos termos do art. 32 da Lei Federal nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), a Operação Urbana Consorciada denominada “Orla do Patrimônio”, com o objetivo de promover a requalificação urbanística, ambiental, paisagística, cultural e econômica das áreas centrais e históricas situadas ao longo do Rio Piracicaba.
Art. 2º A Operação Urbana “Orla do Patrimônio” tem por finalidade:
I – Preservar e valorizar o patrimônio histórico e paisagístico da região, em especial o conjunto edificado da antiga Companhia Boyes; II – Fomentar usos compatíveis com a vocação cultural, ambiental, turística e tecnológica do município; III – Promover a integração entre o tecido urbano e o Rio Piracicaba, com ampliação de áreas públicas de convivência e acesso universal à orla; IV – Regular a ocupação do solo, impedindo a verticalização predatória e a descaracterização da paisagem histórica; V – Estimular investimentos privados com contrapartidas sociais e culturais mediante instrumentos urbanísticos adequados.
Art. 3º As intervenções e projetos inseridos na Operação Urbana deverão observar os seguintes princípios:
I – Participação democrática da sociedade civil na formulação, execução e monitoramento; II – Compatibilização com o Plano Diretor, legislação de uso e ocupação do solo e normas de proteção ao patrimônio; III – Geração de benefícios coletivos mensuráveis e verificáveis; IV – Sustentabilidade ambiental e equilíbrio entre usos público e privado.
Art. 4º Poderão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos urbanísticos: I – Outorga onerosa do direito de construir; II – Transferência do direito de construir; III – Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs); IV – Permutas urbanísticas; V – Concessão urbanística; VI – Tombamento com uso regulado e incentivo econômico; VII – Criação de Zonas Especiais de Interesse Cultural e Ambiental (ZEICAs).
Art. 5º A Prefeitura Municipal poderá firmar convênios ou parcerias com órgãos públicos, instituições de ensino, entidades civis, organizações sociais e investidores privados para a elaboração e implementação da operação urbana, respeitados os princípios da legalidade, moralidade, publicidade e interesse público.
Art. 6º A implantação da Operação Urbana dependerá de: I – Estudo de viabilidade técnica, econômica e urbanística; II – Mapeamento das áreas abrangidas e bens protegidos; III – Diretrizes urbanísticas específicas definidas por lei complementar; IV – Criação de um Comitê Gestor Paritário com representação do poder público, do CODEPAC, de universidades, da sociedade civil e do setor privado.
Art. 7º Os recursos arrecadados com a venda de potencial adicional de construção, compensações e demais receitas vinculadas à Operação Urbana serão destinados a um Fundo da Operação Urbana “Orla do Patrimônio”, com finalidade específica, sob controle público e prestação de contas periódica.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Minuta ajustada do Projeto de Lei Municipal: Institui a Operação Urbana Consorciada “Orla do Patrimônio”, nos termos do Plano Diretor do Município de Piracicaba e da Lei Federal nº 10.257/2001, e dá outras providências.
Art. 1º Fica instituída, no Município de Piracicaba, a Operação Urbana Consorciada denominada “Orla do Patrimônio”, nos termos do artigo 32 da Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), do Plano Diretor Municipal vigente e da Lei Complementar Municipal nº [número da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo], com a finalidade de promover a requalificação urbanística, ambiental, cultural e econômica da orla central do Rio Piracicaba e seu entorno histórico.
CAPÍTULO I – DOS OBJETIVOS – Art. 2º A Operação Urbana Consorciada “Orla do Patrimônio” tem como objetivos: I – Promover a preservação, proteção e requalificação do patrimônio histórico e paisagístico do perímetro da operação; II – Estimular usos compatíveis com a vocação turística, cultural, ambiental e tecnológica da região; III – Ampliar os espaços públicos de convivência e melhorar a acessibilidade à orla do Rio Piracicaba; IV – Reverter a subutilização de imóveis tombados ou degradados por meio de incentivos urbanos e econômicos; V – Estabelecer contrapartidas justas e proporcionais ao potencial construtivo adicional eventualmente concedido, revertendo os recursos arrecadados à própria área de intervenção.
CAPÍTULO II – DA ÁREA DE ABRANGÊNCIA – Art. 3º A delimitação da área da Operação Urbana “Orla do Patrimônio” será definida por Lei Complementar específica, precedida de: I – Estudo técnico de viabilidade econômica, urbanística e ambiental; II – Diagnóstico patrimonial e socioeconômico da região; III – Diretrizes elaboradas pelo então IPLAP, com participação do CODEPAC; IV – Consulta e audiência pública obrigatórias.
Parágrafo único. A área preliminar de estudo poderá incluir, entre outros, os seguintes pontos de interesse: a) antiga Companhia Boyes; b) região do salto e das corredeiras; c) Estação da Paulista e áreas adjacentes; d) trechos urbanos das margens do Rio Piracicaba entre o Mirante e o Engenho Central.
CAPÍTULO III – DOS INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS APLICÁVEIS – Art. 4º Para os fins da presente Operação Urbana Consorciada, poderão ser utilizados os seguintes instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e na legislação municipal: I – Outorga Onerosa do Direito de Construir; II – Transferência do Direito de Construir; III – Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs); IV – Permuta urbanística e concessão urbanística; V – Criação de Zonas Especiais de Interesse Cultural e Ambiental (ZEICAs); VI – Estímulo à restauração e à ocupação econômica de bens tombados ou em processo de tombamento.
CAPÍTULO IV – DO FINANCIAMENTO E DO FUNDO ESPECÍFICO – Art. 5º Será criado, por meio de regulamentação específica, o Fundo da Operação Urbana Consorciada “Orla do Patrimônio”, de natureza contábil, com as seguintes finalidades: I – Financiamento de projetos de requalificação urbana e ambiental na área da operação; II – Incentivo à preservação de bens culturais e à promoção de usos públicos e sociais no território; III – Execução de projetos de mobilidade, acessibilidade, iluminação, turismo e cultura. §1º O Fundo será gerido por um Comitê Gestor, conforme disposto no art. 6º. §2º Os recursos do Fundo serão compostos por: a) venda de CEPACs; b) contrapartidas financeiras de empreendedores; c) doações e parcerias público-privadas; d) transferências de recursos vinculados de outras esferas de governo.
CAPÍTULO V – DA GOVERNANÇA E CONTROLE SOCIAL – Art. 6º Será instituído o Comitê Gestor da Operação Urbana “Orla do Patrimônio”, com composição paritária, formado por representantes: I – do Poder Executivo Municipal; II – do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Piracicaba – IPPLAP; III – do Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Cultural – CODEPAC; IV – de entidades da sociedade civil organizada; V – de universidades e centros de pesquisa com sede na cidade;
VI – do setor privado, por meio de entidade representativa. Parágrafo único. A composição, funcionamento e atribuições do Comitê Gestor serão definidos em regulamento.
CAPÍTULO VI – DISPOSIÇÕES FINAIS – Art. 7º A implementação da presente operação urbana dependerá de aprovação de Lei Complementar específica, contendo o plano urbanístico detalhado, cronograma de ações e modelo financeiro adotado. Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.