Cigarras: canto e desencantos

João Salvador

Basta uma boa chuva no meado de agosto, próximo da primavera, para que surja um som típico, estridente, de alto volume, numa orquestra sem regência, entoado pelos machos das cigarras, visando atrair as donzelas para o acasalamento. É uma toada com possibilidade de atingir até 120 decibéis e causar desajustes na audição humana, porque o máximo de sonância auricular permitido pela OMS – Organização Mundial de Saúde – é de 70 decibéis. E o pior, não tem a que reclamar. É uma confusão sonora, incomodante para muitos, mas suportável e até nostálgico, para outros. O cigarrear tem picos maiores ao amanhecer e ao entardecer. As fêmeas também emitem som, porém imperceptível.
As cigarras não produzem o som por vibração vocal. Deriva-se do esfregaço das asas no próprio corpo, em um par de estruturas abdominais chamadas de timbales, que se articulam na produção e amplificação da cantoria, como um samba de uma nota só, dentro do grande ritual de acasalamento. Sons mais altos significam maior poder de competição. São as ninfas cigarras que fazem essa barulheira toda, instaladas em troncos de árvores ou paredes, à espera do período reprodutivo. Depois de um longo tempo sob a terra, já com o exoesqueleto formado, cavam túneis para que as levem de volta à superfície, à procura de árvores para se fixarem. Nesta fase, as carapaças ou exoesqueleto se rompem – ecdise – e os insetos iniciam a reprodução. Após à eclosão dos ovos, as nin fas móveis descem para o solo, através de um filamento de confecção própria, em busca da sobrevivência, quando usam seus quatro estiletes bucais, para a sucção da solução nutritiva contida no floema das raízes das plantas. E, assim, se completa o ciclo de vida. A metamorfose é incompleta, um processo chamado na Biologia, de hemimetabolismo e consiste na transição ovo → ninfa → inseto → adulto. Não existem as fases de larva e pupa, como há nas borboletas e outros insetos.
No seu trajeto de vida, produzem grandes malefícios para a agricultura. No cafeeiro, depois do bicho-mineiro, que mina o parênquima foliar, causando necroses nas folhas, com interferência na fotossíntese, a cigarra “quesada gigas”, mais comum nas lavouras, também prejudica o cafeeiro, justamente pela sucção da seiva orgânica radicular. Hoje, porém, existe um controle eficiente de ambas as pragas, através de defensivos agrícolas adequados e do controle biológico. As cigarras fazem parte também de uma cadeia alimentar, de refeição para os predadores, como aves e outros animais, mas parece que a oferta supera a procura.
Portanto, mitos, fatos e fábulas existem a respeito das cigarras, dentre os fatos, não cantam até explodir, as carapaças ou exoesqueletos aderentes aos troncos das árvores, são resultantes de uma fase da metamorfose do inseto. Depois de sua temporada “melodiosa”, as ninfas vão para o solo – notem as perfurações no chão, ao redor das árvores – e nele permanecem abrigadas, porém muito ativas, saboreando o adocicado suco radicular, à espera da próxima temporada de acasalamento. 

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João Salvador é biólogo 

 

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