Ari Junior
No Festival de Cinema de Gramado, tivemos acontecimentos tristes e felizes, algo típico da vida humana, porém, relacionados. Fizeram parte deste evento a triste partida da espetacular Léa Garcia, aos 90 anos, poucas horas antes de receber um prêmio e a feliz vitória do longa “Mussum, o Filmis” em sete categorias, estrelado por Ailton Graça, contando com um elenco formado por pretos em sua maioria. Uma conquista mais que significativa.
Abordei esse aspecto, mesmo sabendo que é ‘mexer em vespeiro’ porque, como pessoa preta, já de meia idade e com certa vivência, sinto-me respaldado para expor meu pensamento, baseado nas minhas experiências. Excetuando-se o fato trágico da partida de Léa Garcia, atenhamo-nos na sua frutífera e longeva carreira artística. Uma pioneira das artes que brilhou muito, quando, usando uma expressão arcaica, o cinema ainda era puxado no lombo dos burros. E o que mais conta, é que, não somente chegou ao estrelato. Manteve-se nele, o que aí sim é mais difícil, por anos. Um talento ímpar que gerou uma atriz influente que nos mostrou que atuar pode ser algo que aparenta facilidade, mas que denota muita dedicação, suor e lágrimas.
Já sobre o filme “Mussum”, o mesmo é estrelado por um ator que não chegou ontem nos palcos. Ailton Graça já tem uma carreira consolidada, e isso reflete-se a cada dia mais nos trabalhos que ele assume. Porém, sabemos que o sucesso dum longa metragem não é fruto da individualidade, e sim, dum conjunto harmonioso. Isso é fato no filme que retrata a história dum homem que, apesar de exalar simplicidade, foi um ícone na arte, pois se destacou na música e na interpretação. E para quem acha que o humorismo é uma ‘arte menor’, tente fazer o que Chico Anysio, Oscarito, Mazzaropi fizeram. Quando alcançar patamares similares, reveja o conceito de ‘facilidade’ no humorismo. Foi necessária a força do conjunto, pois o esforço sincronizado de todos é que resultou neste premiado filme.
No entanto, voltando ao tema, escolher um elenco majoritariamente de pretos é uma ousadia interessante e necessária. Já ouvi relatos de diretores enfrentarem dificuldades em nosso País para isso, dada a pouca demanda de pretos atores. Por outro lado, já ouvi também muitos pretos dizerem que isso é fruto das poucas oportunidades que os mesmos tiveram de ascender até essas vagas e preenchê-las. Entendo ser um pouco de tudo. O saudoso ator Milton Gonçalves, que por muitas vezes discorreu sobre esse tema, dizia que é necessário mais pretos estarem preparados para os mais diversos cargos da área artística a fim de que essa demanda seja suprida. E isso esbarra num outro assunto delicado, para outra coluna, num outro dia, que é a meritocracia. Até onde falta oportunidade de mercado, pura e simplesmente, e até onde falta preparo dos aspirantes por falta de condições e ferramentas equalitárias para que estes galguem os degraus necessários para brilharem? A linha demarcatória é muito tênue, e deve ser discutida com os dois lados desta moeda para que uma solução, ou pelo menos um início de solução, seja tomado.
O que posso dizer, por experiência de vida, é que: irmãos pretos, somos incríveis, e podemos sim chegar ao topo da montanha que escolhermos escalar, seja em qualquer área do conhecimento humano. Mesmo que as portas das oportunidades de graduação, especialização e vagas no mercado estejam meio ‘emperradas’ para nós, seja por qual motivo for, saber a hora e como ‘forçar’ essa entrada é essencial para que as dificuldades suavizem. Isso feito, o céu é o limite, e o fruto do trabalho árduo desenvolvido será doce como mel, como vimos no sorriso eternizado da dama Léa Garcia, e da equipe do filme “Mussum”, quando certamente disseram: ‘tudo foi bem-feito, e tudo está muito bom’!
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Ari Junior, comprador e escritor