Dificuldades na contratação de gente

Celso Gagliardo

 

Acompanho teimosamente o mercado de mão de obra e as informações de minha área de tantos anos, RH-Recursos Humanos. Há uma dualidade no momento, empresas querendo contratar gente e não conseguindo fazê-la a contento, e profissionais reclamando de desemprego, de tempo parado a espera de um chamamento.

Outro dia um agente de empresa selecionadora disse que agora, pós pandemia, surgiu uma nova exigência pois o candidato recebe um telefonema para marcar entrevista e já vai perguntando: “mas é trabalho remoto, ou presencial? – prefere trabalhar em casa”. Estava saindo de um velório e uma pessoa que tem empresa disparou: “está duro de operar, não tem gente com vontade de trabalhar, e a gente tem que pagar muito…” Outra vez um amigo disse que poderia aumentar o negócio, abrir filial, mas fica desanimado pela questão da dificuldade com a mão de obra.

Que fenômeno é esse em que estatísticas nos remetem a oito porcento de desemprego no País, e as prefeituras anunciando semanalmente pelos seus balcões de emprego centenas de vagas não preenchidas?

É uma verdade que não há profissionais suficientemente qualificados para boa parte das vagas. Outro dia me espantei, em plena padaria, com uma cliente comum reclamando no café de que não conseguia encontrar uma recepcionista sênior para a sua empresa.

Há esforços por aproximação do capital e trabalho. A Prefeitura de Americana realizou recentemente uma Feira de Emprego, onde 45 empresas compareceram anunciando cerca de 1.000 vagas e mais de 2 mil pessoas comparecerem interessadas por trabalho.

Recortando mais o tema sentimos que se por um lado as organizações exigem certa qualificação conforme o nível da vaga, os trabalhadores em geral também estão mais seletivos nas últimas décadas. A moçada aprende rápido, quando quer, e exige recompensas rápidas, por vezes antes mesmo de entregar resultados consistentes. Com a disponibilidade da tecnologia quase ninguém mais quer fazer o trabalho duro, repetitivo ou pesado, com alguma sujidade, ou esforço. Isso já se traduz, há muitos anos, no setor agrícola com as Usinas de açúcar e álcool tendo que recrutar cortadores de cana de outros estados e oferecer alojamento e refeição, muitas vezes. A mecanização tem reduzido essa demanda.

Quem mais sofre são pequenos negócios, comércio e prestadores de serviços, com atividades simples, onde os contratantes não conseguem oferecer salários além dos pisos das categorias e ainda tem muitas vezes a questão da jornada de trabalho aos fins de semana. Muitos ficam desempregados, ou subempregados fazendo “bicos”, mas não aceitam as propostas do mercado. Agendam entrevistas e não comparecem. Uma grande dificuldade, um pouco acentuada pela proteção social que o País passou a oferecer, com as chamadas bolsas disso, bolsas daquilo.

As empresas que operam em setores de tecnologia sofrem pelo aumento abrupto de vagas, mas suas folhas de pagamento não impactam tanto no faturamento, e assim permitem política de recompensas mais significativa. Assim, o contratado pensa muito antes de se desligar e se aventurar noutro ramo, e os candidatos às suas vagas olham o cardápio oferecido com um pouco mais de apetite.

Há quem apregoe que a juventude dos últimos tempos não tem a pegada de outrora, quando as famílias induziam desde cedo à necessidade de trabalho, emprego regular, uma profissão e ocupação produtiva. Esses críticos chegam a falar em indolência de parte dos jovens para o trabalho, como “você não sabe, eles não querem nada, geração nem-nem – nem estuda forte, nem trabalha com dedicação”. Prefiro acreditar que isso seja a exceção, caso contrário para onde caminharemos?

Em contraponto, há um novo aspecto a considerar, conforme ressalta em entrevista ao O Estado o escritor americano Bruce Feiler: “Acredito que a Covid 19 acelerou uma mudança que já vinha acontecendo havia algum tempo. Enquanto a maioria das pessoas com mais de 50 anos diz “ah, os mais jovens não trabalham muito e não têm compromisso com o trabalho duro”, a verdade é que os millennials (nascidos entre 1980 e 1995) e a geração Z (nascidos entre a segunda metade dos anos 90 e 2010), salvaram o mundo do trabalho. Nós, com mais de 50 anos crescemos com a ideia de que o trabalho deveria ser infeliz, que deveria priorizar o trabalho sobre sua vida. Os jovens estão rompendo com essa ideia. Querem um trabalho que lhes dê sentido e lhes permita ter equilíbrio em suas vidas”.

O capital e o trabalho precisam ser parceiros, pois um não vive sem o outro mesmo com os avanços de equipamentos mecanizados, mundo digital, robótica, comando numérico computadorizado e agora a Inteligência Artificial. Os perfis e pré-requisitos vão se alterando, mas felizmente há trabalho e desafios.

Os segmentos assistidos por Sebrae, Senai, Sesi, Sesc, etc. devem continuar cobrando dessas entidades suporte para elevação da qualificação da mão de obra conforme necessidades de cada área de atividade.

Por ora, àqueles que não conseguem melhorar suas condições de contratação para atrair bons profissionais resta conviver com rotatividade e ser formador, a tal escolinha de primeiro emprego separando pelo treinamento o joio do trigo. E sem cobrar ou desanimar por formar gente às vezes para o mercado, situação do aprendiz que aprendeu e não ficou um bom tempo na casa. A vida é assim!

______

Celso Gagliardo, formado em Direito, com especialização em RH, atuação como gestor e consultor em grandes empresas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima