Juliana Camargo Gonçalves
Estar no shopping neste final de semana me deu a vaga sensação de estar em um mundo imaginário que eu sonhava quando era menina. Não precisamente pelo fato de ser mulher, mas por sentir o sabor da lembrança de uma fase em que tudo era possível e sonhos eram reais. Um mundo cor de rosa, um shopping que mais parecia um ballet de flamingos na imensidão do mar.
Essa sensação me resgatou uma série de pensamentos sobre como costumava pensar e como isso teve uma consequência direta na minha vida atual. E, juntamente com minhas irmãs e minha mãe, embarquei na mesma animação de infância que era entrar em uma sala de cinema.
Mas, algo inesperado aconteceu. O que antes me parecia o resgate de uma memória em que tudo era possível, tornou-se uma emoção para quem sou hoje. Caso alguém não tenha percebido ainda, sim, estou querendo dizer que estava assistindo ao mais novo futuro clássico do cinema: Barbie.
Não estou aqui para fazer rodeios e contar o final da história, meu objetivo não é ser uma estraga prazeres. Gostaria apenas de reviver e reativar tudo que já existiu de possibilidades dentro de uma brincadeira. Quando nossa imaginação pouco tinha noção sobre padrões morais ou estéticos. Quando uma simples boneca poderia se transformar em tudo aquilo que gostaríamos que fosse, e obviamente acompanhava nossos desejos mais íntimos. Dentre as mais diversas fases, uma mesma boneca poderia ocupar as posições de bailarina, princesa, piloto de corrida, médica, professora, mãe. Tudo dependia do que nos inspirávamos a ser no dia. Hoje tenho a clara convicção que o simples fato de me permitir sonhar fez com que uma sementinha fosse instaurada na minha mente e coração de que tudo ficaria bem.
Sei que é uma tarefa absolutamente árdua todos os dias lutar contra quem nos impõe limites para ser quem gostaríamos. Mas adivinha só! Isso não vai fazer com que paremos de lutar. E não, esse não é mais um discurso moralista. Ainda estou falando sobre a Barbie, certo?
É difícil visualizar uma transformação no mundo porque sabemos que uma mudança tão drástica seria, de fato, impossível. Mas, resgatar a mesma lógica de que a mesma criança que sonhava é hoje o adulto que se compromete em realizar. Sonhos podem mudar, mas a essência certamente permanece. E que privilégio é poder sonhar quando criança. Que dádiva incrível herdamos da mente esse poder transformador de enxergar o mundo com outros olhos. Carregamos tanto poder dentro de nós mesmos que esquecemos a influência que isso reflete diariamente no que somos. Estar em uma imensidão cor de rosa, me fez visualizar não só a influência da boneca Barbie na vida de milhares de pessoas, mas sim a maneira como a importância de sonhar transcendeu gerações. É impossível alguém que um dia tenha brincado de Barbie dizer hoje que aquela boneca não fermentou uma esperança brilhante (literalmente) de que sonhos, independente do rumo que a vida possa levar, estariam sempre conosco. Evoluindo, mudando ou abrindo espaço para novos, estariam ali. Na mais íntima posição de que toda transformação precisava crescer de algum lugar, e o simples ato de brincar, parecia uma bela maneira de começar.
Por isso, para quem esteve julgando a maneira como a construção crítica do filme foi trabalhada, basta lembrar que assim como sua própria imaginação era fundamentada no que se acreditava, essa também é uma história de resistência e luta pelo que se acredita. Cabe a nós a sensibilidade de nos identificarmos e respeitarmos essa essência. E nunca invalidar o poder imaginário que comoveu a febre de camisetas cor de rosa perambulando pelo shopping em um domingo leve, carregado de nostalgia e sonhos.
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Juliana Camargo Gonçalves, estudante de Letras da USP