Rubens Santana de Arruda Leme
Numa tarde de inverno do mês de julho de 1950 (devia fazer frio…) em pleno Maracanã, diante de duzentas mil pessoas, por volta das 16,30hs, Giglia fazia o segundo gol do Uruguai contra a seleção brasileira. O jogo terminaria 2×1 a favor dos uruguaios para decepção geral da torcida desse país, que mais tarde viria a ser o país do futebol, chegando ao penta campeonato mundial desse esporte. Logo após o carrasco uruguaio dar o golpe fatal nos canarinhos, alegria e tristeza se misturaram naquela modesta casa da rua Silva Jardim, 918, entre Moraes Barros e São José, pois nascia este pacato cidadão (“pero no mucho”). Assumo aqui, que futebolisticamente, nasci pé frio.
Passados setenta e três anos desses dois acontecimentos históricos (risos) permito-me fazer essa crônica um tanto auto biográfica e reflexiva, quem sabe romântica, sobre a minha longa passagem por esse único planeta habitado (pelo menos até agora) pela complicada raça humana.
Certamente deixarei, pela exiguidade de espaço e objetivos do texto, de abordar muitos acontecimentos importantes, que nessas mais de sete décadas, o Criador deu-me a chance de participar seja com espectador ou protagonista.
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Começo, relembrando quando assisti com a inocência das crianças, que em tudo veem motivos para divertir, tombarem as últimas e gigantescas árvores do Bosque Barão da Serra Negra (hoje Estádio Municipal). Em artigo publicado faz algum tempo na imprensa local, fiz a observação lírica e ecológica de que aquele aroma exalado pelos eucaliptos tombando era o aroma das lágrimas da natureza diante da insensatez humana.
Joguei futebol na categoria de base (mirim), assisti a memoráveis partidas, seja no Roberto Gomes Pedrosa como no estádio, outrora Bosque do Barão, assim como assisti à decadência do nosso querido “Nhô Quim”.
Ainda dessa paixão nacional que é o futebol, seja como jogador, torcedor ou diretor, vi nascimento, a glória e o triste final do tradicional clube varzeano, o E.C. Paulistano da Cidade Alta, que na década de cinquenta mandou seus jogos num “raladão”, onde, depois, foi construído o Estádio Municipal e no ano de 1973 ficou campeão do mais importante campeonato da categoria até essa data.
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Chega de futebol, vamos falar de carnaval. Morando praticamente toda a minha vida no BA (como fala meu velho companheiro Zé Beto, que também por muito tempo morou no Bairro Alto), curti os antigos cordões (era como chamávamos, hoje as Escolas de Samba) que animavam nossos carnavais de rua, cujas “sedes” ficavam na parte mais alta do Bairro. Cordões, como o do Leão, o Bambi, o do Nacional, fizeram parte da minha infância e juventude. Mais tarde, já adulto, cheguei a desfilar numa das alas (a do Divino) na Escola de Samba do Palmeiras da Cidade Alta e, da Unidos da Cidade Alta, fui um dos seus fundadores como agremiação legalmente constituída.
Do Movimento Cultural Sapucaia (é como eu chamo esses eventos), fui um dos seus fundadores e a iluminação da majestosa árvore, as festas juninas, os torneios de truco e a fantástica Banda da Sapucaia, infelizmente já estão ficando na saudade. Para que os atuais companheiros (as) da vida cultural do bairro não fiquem bravos comigo, quero destacar agora as deliciosas e românticas Segundas do Vinil no aconchegante Bar do Claudio, e os Sábados do Vinil na emblemática Praça Bonga e Daniel, que, juntos com o maestro Laerte do Vinil, levamos músicas de primeira qualidade para esses dois tradicionais pontos culturais da região. Infelizmente a pandemia atrapalhou a sequência desses inéditos eventos. Ao menos os Sábados do Vinil, pretendemos voltar a realizar o mais breve possível
Algum leitor(a) mais conservador já deve estar pensando: “Esse cara viveu todo esse tempo (70.3) só farreando?”
Para não ser brindado com essa crítica, vou tentar agora limpar a minha barra.
Profissionalmente, fui auxiliar de bibliotecário na Biblioteca Pública Municipal (prá quem trabalhou nesse lugar sagrado da cultura, me cobro por não ter lido muito mais do que já li); técnico químico no IAA, Siderúrgica Dedini e IPT. No Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), vivi talvez os quatro melhores anos da minha vida, bom salário, ótimas amizades, festas, finais de semanas inesquecíveis, já meio fora de moda à época, até serenata fazíamos. Supervisor de Higiene e Segurança do Trabalho na S. L. Alves (mais conhecida com Fábrica de Biscoitos Júpiter), onde ampliei minha consciência de classe e assumi o lado daqueles (as) que mais precisam, a classe trabalhadora. Nessa profissão conheci o saudoso professor Osvaldo Sobeck, do Sesi, através dele e na companhia de supervisores de segurança de diversas empresas criamos o CEPROSEHT (Centro de Estudos de Higiene e Segurança do Trabalho), onde trocávamos experiências nessas áreas. Vendedor e representante comercial: Além Mar Equipamentos para Laboratórios, Centro Químico Campinas, Paulo Foto Xerox e Materiais para Escritório, Cabo Total, uma das primeiras empresas a comercializar TV a cabo no Brasil, vendas de materiais gráficos. Em parceria com o amigo Kerko Tomaziello e sua saudosa esposa Maria da Graça, editamos por alguns anos (96/2000) o jornal Gazeta da Cidade Alta, através do qual fomos indutores do resgate histórico e de uma verdadeira revolução cultural no bairro, durante esse período. Na assessoria da Secretaria de Governo do primeiro governo José Machado, tive o prazer de coordenar o Projeto FelizCidade, cujos objetivos eram levar serviços e cultura nos bairros, através de uma efetiva participação popular, marca dos governos petistas. No segundo governo, atuei na Câmara Municipal de Piracicaba, como chefe de gabinete desse grande camarada tupiense Antonio José Boldrin, onde priorizamos trabalhos nas áreas de exportação, meio ambiente e conscientização no combate ao uso de drogas, além da rotina camarária na defesa dos projetos do governo petista.
Poderiam me arguir se, com todas as essas atividades profissionais, não enriqueci? Com certeza não, porque foram atividades para sobrevivência digna e de engajamento político e social. Talvez se tivesse seguido as indicações do teste vocacional que fiz na juventude, que apontou medicina e advocacia, viesse a ter maior sucesso financeiro, porém não foi esse o destino que escolhi. Mas foi melhor assim, se pobre eu já sou chato, imaginem se enriquecesse, desculpem os poucos amigos ricos que tenho (estou brincando, risos).
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No decorrer dessa já longa existência, na primeira infância, trago vaga memória do suicídio de Getúlio Vargas. Curti os anos dourados de Juscelino. Assisti ao golpe contra Jango Goulart, vivenciei os anos de chumbo da ditadura militar. Como na juventude tudo é lindo maravilhoso, no princípio desse triste período da nossa história, me alienei. Entretanto, mais tarde, tenho orgulho de ter sido um ativista na resistência contra a ditadura e possa afirmar que dei minha humilde contribuição na retomada da nossa democracia. Nesse período sombrio da nossa história, não posso esquecer do brilho dos grandes musicais da TV na época alguns, de certa forma, alienando a juventude; outros, mesmo que sutilmente, questionando o governo de plantão. Quem não tem saudade da Jovem Guarda, comandada por esse grande ícone da nossa geração, Roberto Carlos; o Fino da Bossa, com a inigualável Elis Regina, Bossaudade sob o comando da grande Elisetth Cardoso, entre outros que embalaram nossos sonhos juvenis. Uma palinha internacional, vivemos o auge dos Beatles, The Rolling Stones…
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Não posso esquecer que na minha trajetória no mundo da política, tive uma intensa participação no movimento social, quando assumi a luta do inquilinato piracicabano, sendo um dos coordenadores do MIP –Movimento do Inquilinos de Piracicaba no final da década de oitenta, inclusive participando em debate sobre o assunto na TV Globo Regional.
Finalizando essa pincelada pelo mundo da política, tive o privilégio, nessa minha septuagenária caminhada, de participar como militante da era Luiz Inácio Lula da Silva. Esse metalúrgico, sem dúvida, a maior liderança política do continente dos últimos cinquenta anos.
Daria um livro, se fôssemos elencar os grandes acontecimentos desses tempos aqui vividos, só como exemplo: a chegada do homem à Lua, a televisão, a Internet, os avanços na medicina, nos veículos automotores, nas comunicações.
Tive amores e desamores, muitos amigos, certamente alguns inimigos, ninguém é perfeito. Traí no amor e provavelmente fui traído, quem disser que não foi, ao menos pelo pensamento, é gamofóbico ou mentiroso, mas esse é outro assunto quer fica para outra oportunidade (?). Tenho orgulho das famílias das quais tenho minha origem: Arruda, Santana, Leme, Ferraz, Espósito. Tenho uma filha e duas netas, que são meus amores; uma irmã e um irmão, companheiros de sempre. Não sou candidato a nada, salvo a um lugar na primeira rua do lado interno do muro ou mural do Cemitério da Saudade. Aliás, mural artístico, cuja pintura foi inspirada na Pinacoteca a Céu Aberto da Praça da Sapucaia (Cícero Corrêa dos Santos), outro evento do Movimento Cultural Sapucaia, coordenado pelo artista plástico e morador do bairro Laércio Moretti.
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Escrevo esse artigo apenas com objetivo de marcar a passagem do meu septuagésimo terceiro aniversário (16/07/23) e contar um pouco da minha história, sem qualquer outra pretensão. E o epílogo fica por conta do Criador. No fundo, quero agradecer a todos (as) que me ajudaram a chegar aqui e dizer que valeu a pena!
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Rubens Santana de Arruda Leme, Técnico Químico Industrial, Supervisor de Higiene e Segurança do Trabalho, Representante Comercial Autônomo, morador do Bairro Alto há 73 anos (e-mail: [email protected]), cel 9.9764-0082