O verbo em carne dura – em carnadura nação. Materialidade doente, insubstantiva, já sem força divina de ação. O verbo, todo hoje, em imprecisão criativa muda – sintagma triste de triste oração.
Que tempos estes! Que tempos!
De verbos-balas-de-sangue, nas favelas, atrás de corpos de vidro. De verbos-anônimos-mortos, nas vielas, em seu único fatídico destino. De verbos cretinos-poderosos, nos palácios, de terno e faixa de assassinos.
Que tempos estes! Que tempos!
De agramaticais organizações mentais. De impossíveis conjunções orais. De indeclináveis conjugações amorosas. De indescritíveis estados da alma carente de amor.
Verbo humano-divino-humano com os lobos da estepe. Onde a sua fala humilde entre as gentes em meio ao enxofre das Igrejas? Verbo bíblico sem carne nos altares do dinheiro. Onde um Cristo irmão nas armas? Verbo Primordial – Cordeiro Santo de Deus – ceifador de pobres, militar, soldado. Onde?
Que tempos estes, sem tempo para verbos que não os da opressão. Que tempos estes, sem a concretude verbal da liberdade fraterna. Que tempos estes, sem a pele-palavra fresca do desejo líquido no meio da rua. Que tempos estes!
De tiros. De estalos. De canhões. De estampidos… (Alvo Negro! Alvo Podre! Alvo Pobre! – Fogo!) De coturnos. De Estados. De nãos. A burrice e a brutalidade nos jornais diários. Os olhos e os ouvidos do mundo – e seus queixos perplexos no chão. A percepção de tudo como um grande e flácido balão verde-amarelo em chamas, já perto do solo.
A ausência repentina de colo – e esta mudez não natural, esta incapacidade vocabular, este o indizível, esta necessidade de reação, de reencarnação, de resistência, de uma sobrexistência urgente e tão severamente noturna que lunar. Que tempos estes! Que tempos!
Ausente o verbo Criador atrás das nuvens de amianto. Ausente o verbo Luz-dos-homens resplandecente nas trevas. Ausente o verbo dos Verbos, carne e sangue em comunhão.
João. Irmão. Mestre Primeiro
Onde seu evangelho imenso de amor, irmandade e esperança?
______
Alexandre Bragion, cronista (publicada originalmente na edição de hoje – mas escrita em primeira versão sob o impacto do mês setembro de 2019. Tempos idos e a serem ainda e sempre superados? Este cronista entra em férias. Quiçá merecidas. Nos vemos na segunda quinzena de julho!).
Alê Bragion é doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp. Cronista deste matutino desde 2017.