Sobretudo o verso

Sergio Oliveira Moraes

Na madrugada do dia em que escrevo, abri as janelas pálido de espanto, tresloucado, para conversar com estrelas, ouvi-las, como disse o poeta. Será suficiente amar para ouvi-las? Nossas vozes viajarão no vazio – ou isso é privilégio dos sons das batalhas das guerras nas estrelas? Suas luzes vejo, um eterno olhar para o passado. Converso com elas, insistem que eu volte à física na letra de “Livros” de Caetano.

Reluto. Não quero ciência, só versos. Quero Ismália vendo uma lua no céu, outra no mar. Quero vê-la pender as asas para voar como um anjo – sem pensar na reflexão da luz – prefiro nessa madrugada conversar com estrelas enquanto olho a lua imensa e amarela flutuando. Melhor parar por aqui. Ir além é ver um raio de sol em teus cabelos, vê-los como um brilhante partindo a luz em sete cores. A refração da luz. Basta. Talvez pular direto para os versos que revelam os sete mil amores que eu guardei. Exorcizem-me da ciência, Luiza e Tom, meu maestro soberano.

Sensato teria sido Goethe ao dizer que Newton deveria ter estudado a decomposição da luz vendo um por de sol ao invés de um prisma? O prisma, o vidro, o espelho. Haverá pecado mais inescapável que a vaidade? Quando olho para o espelho, admiro-me, detenho-me na criação, eu mesmo, afasto-me do Criador, é o momento em que o Adversário se aproveita (o que dizer do prazer narcísico com os “likes” nas redes digitais?). Antes de Newton, Galileu não foi herético ao apontar o telescópio para o céu? Não seria o vidro a deformar a beleza cósmica? Exorciza-me Goethe!

Desisto. Não há como impor-me às estrelas e volto à física na letra de Livros: “Tropeçavas nos astros desastrada/Quase não tínhamos livros em casa/E a cidade não tinha livraria/Mas os livros que em nossa vida entraram/São como a radiação de um corpo negro/Apontando para a expansão do Universo”. Elas têm razão, há uma beleza nos versos de Caetano que algumas poucas leituras em física nos permitem tocar. E aí os livros, eles.

Uma viagem ao passado. Dezembro de 1900, o nascimento do estudo do muito pequeno, interior do átomo, Max Planck. Quando acendemos a churrasqueira, o carvão, uma pálida luz avermelhada. Abanamos, vai aumentando a temperatura, mudando a cor, aumentando a intensidade. Qual a relação entre temperatura e cor, intensidade? A pergunta inicial.

Definitivamente, entrego-me ao “Cântico dos cânticos/Quântico dos quânticos”. Sujeito-me ao “Fragmento infinitésimo, quase que apenas mental/Quantum granulado no mel, quantum ondulado do sal/Mel de urânio, sal de rádio, qualquer coisa ideal”. Porque o infeliz astrólogo não recorreu aos livros, à sua “Quanta”, Gil, antes de falar asneiras sobre o “fragmento infinitésimo”?

“Sei que a arte é irmã da ciência/Ambas filhas de um Deus fugaz/Que faz num momento e no mesmo momento desfaz/Esse vago Deus, por trás do mundo/Por detrás do detrás”. Estrelas, porque não me disseram logo que a “arte é irmã da ciência”? E assim, ao vir do sol, saudoso e em pranto – concluo.

A fraternidade ciência e arte, não para na literatura – está na pintura, cinema, teatro, quadrinhos e segue. Também não é mérito meu as ligações apresentadas, apenas tentei dar uma sequência ao que está nos livros que em minha vida entraram. Entram. A pretensão deste artigo é expressar meus agradecimentos aos livros e bibliotecas, a quem os escreve, a quem deles cuida e a quem os leva a quem não os tem.

Em tempo: que venha o #Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (PMLLLB) do Município de Piracicaba!

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Sergio Oliveira Moraes é físico e professor aposentado Esalq/USP

 

 

 

 

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