Era o amor. Talvez não fosse. Porque – acho que foi Drummond quem disse – que quando se ama quase sempre se funde – na dor – o amor, o amador e a pessoa amada. E o amor estava ali, de passagem – como tudo na vida. O amor estava ali, exibindo sua plumagem vistosa que efêmera, seu canto santo que enganoso, seu semblante cálido urdido nas insânias do cobiçado. Sim. Acho que era o amor e o ser amado. Não o meu amor, mas emprestado. O amor que se deita triste que vistoso, que se mostra bonito que solitário, que se faz real e poético e mal iluminado pela luz da tarde plena ao sol ameno do meu olhar atento que guaiado.
Quem sabe se as tardes seriam assim tão azuis não fosse o amor – parodio de novo Drummond por trás de minhas próprias sete faces. Porque o amor – me ensinou o poeta e a poesia – é dado de graça e (vive) semeado no vento (que passa). Quem sabe se as tardes não fossem azuis e sofreríamos menos de amor – e penso isso sem querer, de verdade, deixar de pensar e viver sem essa dor. Dor que agora não é exatamente minha, mas – como disse – empresto como se fosse. Dor que atesto em protesto feito de cor: felizmente as tardes são azuis e se sofre (e sofremos) de amor.
Afinal, amar é também despedir-se a cada minuto – como num ciclo, como numa história que já se sabe o fim, pois assim tudo um dia termina e de repente o que se ama já não é mais (e digo isso – sofrendo – porque sei, como cantou Vinícius, que “o amor é a coisa mais triste quando se desfaz”). E o amor se faz e se desfaz – no agora que vejo – diante de mim. Amor que era silêncio, segredo e alma. Amor que era calma, travessia tranquila – e não mais aportou e se foi, aos olhos de todos, a pique. Amor do qual me apiedo – e morro de medo ao pensar que um dia, talvez, se for amor, o meu também me abandone. É que vendo o amor, dos outros, que ora tristemente sucumbe e cai, temo (porque sei e sabemos, é claro) que todo amor – mesmo o raro – um dia se vai.
Então, guardo em mim algumas letras em forma de cápsulas contra a solidão que jaz latente no ser amado. Bebo versos de ambição, fumo poemas de completude e injeto literatura no coração. Por isso, repito o termo, contra o ermo estado do amor preservo a certeza plena de que um dia tudo acaba. Tudo não. Talvez a poesia permaneça, talvez o sonho – onde se sonha, da vida amorosa, a flor. Por isso, às minhas amigas – que nesta semana perderam, cada uma, um amor diferente – desejo o sonho como receita para a dor ainda renitente. E indico que recitem os versos do poeta uruguaio Mário Benedetti – como antídoto à tristeza cinza que ao existir da alma arde. Repitam amigas (repitamos, sempre) ao amor agora memória: “te espero no sonho de sempre, não chegues tarde”.
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Alê Bragion é cronista deste matutino desde 2017