PORQUE AMANHÃ É SÁBADO – Pintura

Aposto nas cores, antes que vocês me esqueçam. Ou talvez seria melhor dizer antes que alguém se lembre de mim. Porque somos o que não mostramos, o que deixamos no entre aberto daquilo que mais fingimos do que, em verdade em verdade (vos digo), explicitamos.

Cores. Violência. Explosão. Ser como num conto, vício sem vício, sem ponto. Pollock, sobreponho nos olhos as cores feito a natureza – deito baldes de tinta no corpo, ao longo dos dias, em painéis de incerteza. Matisse, misturo os mundos, redesenho fundos e finjo que troco por cores a tristeza.

Me apego também, às vezes, ao quadradismo dos meus quadros – cúbico cubismo desmontado. Abro a janela, então, não para ver o dia – mas para ver a luz do sol em romaria a iluminar o meu estado. E me admiro. E me olho. E me esquadro – Picasso de sonhos fragmentados.

Depois, deito-me à roda em movimentos ondulatórios e desiguais. Traço destinos falsos para colorir, misturo pigmentos com água e escorro sem socorro pelo forro dos telhados quase alados que não tenho. Às vezes, confesso, perco o de mim e me sou apenas desenho.

Sem medo, abro-me (porém) em exposição – museu de ação do eu abandonado. Recebo (escondido) amigos em noites de vernissage remotas como a pintura de uma falsa paisagem. E festejo – Babette de mim mesmo – o existir (estudo de corpos-aprendizagem).

Então, fecho meu templo-ateliê verbal e vivo tinto como um vinho que envelhece sozinho. E me borro, todo, colorido em tom real – enquanto espero sem pressa pelo olhar do outro, atento ou perdido, a encontrar ao pé da tela a minha assinatura final escondida justamente entre cores de esperanças frescas, feitas para quem o não-nada, nonada, espera.

 

Alê Bragion é cronista

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