Esse documento serve como uma carta de repúdio ao processo de privatização do conhecimento e das políticas de implementação de perda de autonomia da comunidade piracicabana acerca da educação pública na cidade. A educação da rede municipal de Piracicaba tem em sua história grandes conquistas e altos índices de qualidade. O resultado do trabalho aqui desenvolvido e reconhecido nacionalmente é produto do trabalho realizado pelas equipes das unidades escolares e das comunidade, mas nas últimas semanas a comunidade escolar vem assistindo como telespectadores/as ao processo de desmonte, e por que não dizer de destruição da autonomia pedagógica e da identidade docente do coletivo de professores/as, diretores/as, coordenadores/as, funcionários/as das escolas, familiares na construção de Projeto Político Pedagógico elaborado coletivamente por cada comunidade escolar; e do currículo de Piracicaba, este inclusive produzido coletivamente em 2019.
Com a proposta e efetivamente a implementação de um sistema de ensino oriundo da iniciativa privada, estamos sujeitos à privatização e a mudança que deve, em curto espaço de tempo, criar uma educação de qualidade duvidosa e pautada em práticas e políticas distantes da realidade social da cidade.
A proposta foi apresentada de maneira articulada entre os atores políticos e econômicos, mas distante da realidade da sociedade, como um exemplo desse processo de articulação podemos apresentar o nível rasteiro que a empresa local descaradamente imita a capa de materiais utilizados por escolas privadas. Com isso, colocamos as escolas municipais de Piracicaba em um patamar inferior ao que tem apresentado já que com esse mimetismo nos esquecemos da história e da trajetória de nossa rede municipal de educação. Ao privatizar a educação, destruímos o que existe de público e comum entre nós. A compra de material apostilado, dando início a mercantilização da educação pública, aponta para uma política de desmonte e precarização do ofício de professor/a. Com apostilamento desmontamos o próprio processo de formação docente e da autonomia do pensamento nas escolas públicas do município, pois não é preciso mais planejar e avaliar o ensino e o processo educativo. O material apostilado que agora pensa o planejamento da professora impõe uma avaliação ao/a estudante e também ao/a docente, uma avaliação distante a realidade e pautada em perspectivas educativas e pedagógicas já superadas nacional e internacionalmente.
Ler o texto de denúncia do professor doutor Luiz Carlos de Freitas, https://avaliacaoeducacional.com/2023/03/17/piracicaba-privatiza-a-rede-publica-por-dentro/
Ao invés de investimento nos materiais pedagógicos, de formação continuada de professores/as, necessários ao aumento de qualidade socialmente referenciada, o apostilamento padroniza e achata as diferenças que poderiam potencializar o ensino e o processo educativo. Ao invés de investimentos na estrutura física das escolas, na construção de novos prédios, nos equipamentos de lazer e complexos esportivos, na merenda escolar de qualidade, na construção e reformas de bibliotecas e salas de estudos que poderiam trazer benefícios a toda comunidade escolar; ao invés da aquisição de bons mobiliários, de cuidar da área externa e prover boa iluminação no entorno das escolas, de adquirir bons livros didáticos, o dinheiro público vai aos montes pelo ralo. O investimento público em empresas privadas na educação foi sabidamente um engodo, uma estratégia política que os únicos a ganhar são os envolvidos no contrato. Para nós, professoras/es, coordenadoras/es, gestoras/es, alunos/as, famílias e crianças, significa dizer que o que pensamos e o que fazemos cotidianamente nas escolas não interessa. O que importa é pintar um quadro ilusório de que a escola privada por ter apostilas é melhor a escola pública que não tem porque acredita que o caminho se faz pelo diálogo e pela formação. O argumento é falacioso e mascara o interesse político da privatização, pois esse não é um investimento na escola pública, mas no capital político entre governo municipal e empresas privadas. Comparar à escola pública com a escola privada é um engodo, uma armadilha. O direito à educação de qualidade, que é realizada por um currículo pensante e produzido por uma equipe docente nos diferentes espaços da escola, não é o mesmo que se retira dele o direito de pensar, de dizer e de fazer daqueles que estão diretamente envolvidos no processo educativo.
Essa é a forma mais cruel de privatizar a escola pública porque a transforma em um balcão de negócios, onde a politicagem fala mais alto que formação dos/as estudantes e das crianças atendidas pela rede municipal de educação. Concepção rasteira que vê a educação com a finalidade de produzir mão de obra barata dos/as futuros/as trabalhadores/as. A perspectiva privatista é a de que as experiências pedagógicas acabem evanescendo e, enfraquecidas, sejam substituídas pela lógica do mercado.
Como um grito de socorro! Não podemos deixar que apaguem uma história de construção coletiva, de participação e diálogo, de autonomia docente, de uma educação infantil e de um ensino fundamental que traga no seu bojo uma história de grandes conquistas! É dessa história que pode emergir a qualidade na educação de um município. Será acionado o ministério público para averiguar o que vem acontecendo na rede Municipal de Educação em Piracicaba. Estamos apagando meio século de educação infantil da rede municipal piracicabana e 25 anos dos primeiros anos do ensino fundamental na rede. Cadê a educação de qualidade e a escola pública que estavam aqui? O bicho comeu, e não vai parar de comer até que nossa organização e força política o faça parar.
Urgente: revogar apostilamento da educação pública da Rede Municipal de Piracicaba, como princípio ético das relações.
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Assinam a carta: Acampa pela Paz e o Direito a Refúgio e Unesp, professora doutora Célia Regina Rossi; professora aposentada da Faculdade de Educação da Unicamp, Eloisa de Mattos Hofling; professor César Donizetti Leite, da Unesp; Comitê São Paulo da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Sara Santana; Forum Paulista de Educação Infantil.