João Salvador
As águas de março fecham o verão, porém, de forma sombria. Um pesadelo que começou em fevereiro, com os dissabores das enchentes e das calamidades. Deslizamentos das encostas, transbordamentos dos rios e riachos. Nas cidades a destruição de vias públicas, camada asfáltica erodida, crateras e canais de drenos rompidos. A infraestrutura rural afetada na distribuição de víveres. O santo mandachuva errou no clique de seu aplicativo, ao invés de acionar o registro de pressão de sua torneira no sentido horário, o fez ao contrário e o fluxo de água das comportas celestes saturou os solos. Chuvas torrenciais e enormes estragos e desabrigados, sem opções de voltarem para suas casas. Era pau, era pedra, era lama, o fim do caminho para os que morreram por afogamento e soterramento, vide o desastre chuvoso do Litoral Norte paulista.
Choveu até mesmo onde não era habitual e a meteorologia sempre a indicar temporais e chuva volumosa. Os grandes centros urbanos e periferias, tiveram momentos críticos, com pontos de alagamentos. Os milhares de alqueires de asfalto e ladrilhos impediram a infiltração da água, que rolou em grande velocidade para os rios e córregos, subindo de nível, invadindo casas ribeirinhas e vias públicas. Descargas elétricas e muitas árvores sucumbiram aos ventos fortes, debruçando sobre a fiação elétrica, determinando os apagões. Casas destelhadas, carros levados pelas correntezas, o caos no trânsito.
É óbvio que os gestores municipais devem manter suas cidades limpas antes da estação chuvosa, desobstruindo os canais de drenagem e bueiros. Mas os munícipes também têm que assumir sua culpa, ao jogar nas ruas, todo tipo de lixo, que, levado pelas enxurradas, entope os receptores das águas pluviais. Lixo graúdo – pneus, camas, sofás e entulhos de construção – rodando água abaixo nos rios. Manter a cidade limpa é uma questão de consciência ambiental e de saúde pública e requer a união das comunidades.
Quando criança, cheguei a participar com os colonos de preces rumo a uma capela, para molhar os pés do santo, em súplica pela chuva. Nesse verão, talvez fosse melhor ter enxugado os pés do santo. Enfim, espera-se que no outono os pluviômetros registrem apenas a média de precipitação para época, e que a queda seja apenas de folhas das árvores que as descartam para o seu repouso fisiológico. Que o clima seja típico e prazeroso.
______
João Salvador é biólogo e articulista