Tarciso de Assis Jacintho,
Eu tinha acabado de voltar das férias. Após uns dias no litoral norte, com direito a um passeio por São Sebastião, que eu não imaginaria que seria palco de mais umas das nossas tragédias de verão, após o almoço que saiu mais tarde que o previsto resolvi assistir algo para dar sono e me deparei com o ótimo “Brasil 2002 – Os bastidores do Penta” e mesmo com as ótimas resenhas dos vestiários, não teve como, dormi como de costume. Quando acordei e fui zapear me deparei com uma multidão vestida de verde amarelo e pensei que tinha retomado o documentário do streaming. Para minha surpresa, aquilo que parecia improvável, mas não impossível, estava acontecendo. No resto daquele domingo me surpreendeu e decepcionou o silêncio surdo daqueles que deviam repudiar aqueles fatos. Dias depois após ao me deparar com uma postagem de uma foto de um banco de imagens que alardeava a morte de uma senhora nos campos de concentração antidemocráticos e da alegação de que os índios visivelmente famélicos eram venezuelanos, o que pouco importaria. Que fossem cubanos, continuariam famélicos, percebi que não valia a pena argumentar, não se tratava disto. Mas esse paralelo entre 2002 e 2023, estes 20 anos nada banais deste início de século tem permeado minhas reflexões deste então. O que fez com que daquela comemoração na rampa do planalto chegássemos ao que vimos? Das piruetas algo erráticas do Vampeta descendo a rampa até as perfurações insanas no Di Cavalcanti, alguma coisa de muito errado aconteceu. Porque amigos antes alheios à política, tornaram-se tão irascíveis? O que despertou no cordial brasileiro toda essa intolerância? A despeito de qualquer paixão ideológica penso que são três as causas que nos trouxeram a este estado de coisas e aqui as elenco, para nossa reflexão. Em primeiro lugar penso que uma das causas de toda essa tensão resida na nossa fragilidade diante da informação. Notadamente lemos pouco, esse é um dado da realidade, desta forma a informação instantânea, como a velhinha do banco de imagens é tomada como uma verdade, sobretudo quando ela vem justificar as coisas que acreditamos ou queremos defender. E muitos têm se valido dessa nossa fragilidade enquanto sociedade.
Quando essa confusão toda começou eu que tenho uma historiadora em casa comentei com ela que precisava corrigir minha deficiência em história. Como uma professora querida me dizia: Você conhece a estória de Romeu e Julieta? Mas você já a leu? Só aqui se apresenta um desafio de gerações para todos nós. Tenho testemunhado em projetos de consultoria e em sala de aula, o tamanho desse desafio, que não é de hoje. Em segundo lugar e penso que derivada da primeira causa, a crise econômica que se abateu sobre o país e sobre o mundo de certa maneira, após um ciclo virtuoso de desenvolvimento. O pagamento de reparações onerosas impostas aos perdedores após a Primeira Guerra Mundial, durante um período inflacionário em toda a Europa na década de 1920 outro resultado direto dos efeitos materiais de uma guerra catastrófica – causou uma hiperinflação da moeda alemã, o Reichsmark, por volta de 1923. Aquele período de hiperinflação combinado com os efeitos da Grande Depressão (iniciada em 1929) abalou seriamente a estabilidade da economia da Alemanha, acabando com as economias pessoais da classe média e gerando desemprego em massa. A raiva pela derrota na Primeira Guerra Mundial e as sucessivas crises econômicas e políticas contribuíram para o aumento do antissemitismo na sociedade alemã.
A instabilidade da Alemanha sob a República de Weimar (1918-1933), o medo do comunismo e os choques econômicos originários do impacto da Grande Depressão também tornaram muitos alemães mais receptivos às ideias nazistas, dentre elas o antissemitismo. Como vemos a história se repete, quando a desprezamos. Em terceiro lugar a inclusão da pauta religiosa, ou chamada de costumes, na disputa política. Depois da II Guerra Mundial, a ONU adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que colocava em pauta o “respeito universal e observância dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. O ideal foi reforçado em 1999, ano em que líderes budistas, protestantes, católicos, cristãos ortodoxos, judeus, muçulmanos e de várias outras se reuniram para assinar o Apelo Espiritual de Genebra. O documento pedia aos líderes políticos e religiosos algo simples: a garantia de que a religião não fosse mais usada para justificar a violência. Dos fundamentalistas radicais muçulmanos e não-muçulmanos no Afeganistão. Dos xiitas e sunitas no Iraque. Passando pelos Israelenses, Nigerianos, Sudanitas, Tailandeses, Tibetanos até aos irlandeses e católicos, ora em paz. Me dê um exemplo, somente um, onde a associação entre Religião e Estado deu certo. Pastores também irascíveis vociferando nas redes sociais contribuíram sem dúvida para a disseminação do ódio, que fez este se manifestar onde só deveria resplandecer o amor. E pior, debocham derrotados deste, ao dizer que ele venceu. Dizem que o ano só começa por esses dias. Para mim parece que já se passaram 72 meses neste 2023. Mas tenho esperança, nos marcos civilizatórios presentes na sociedade e na ação sobrenatural do Senhor dela, na igreja. Mas precisamos ter cuidado, não mande as pessoas estudarem de força agressiva, isso levantou muitos ressentimentos.
Aproveite as oportunidades a sua disposição para expor suas convicções, com coerência histórica em se tratando de história, com amor em se tratando de religião. E lembre a todos quanto puder, que as crises são cíclicas e inerentes a todos os sistemas, do capitalismo mais selvagem ao socialismo mais cruel, todos esses sistemas passam por crises. O único valor que nos ampara como sociedade e o qual não podemos abrir mão é da Democracia, da frágil e contraditória Democracia. Nela podemos lutar por nossos valores e crenças, mudar de opinião, de voto, de visão de mundo. Jesus era alvo constante de Fake News espalhadas pelos Fariseus. Uma delas dizia que Jesus realizava as curas físicas e espirituais em nome do Diabo. Um contrassenso, por que Diabo nenhum, sendo o Diabo, operaria a cura.
Mas como o povo não analisava criticamente esse argumento contraditório, muitos acreditavam. Dessa forma, os Fariseus conseguiam plantar a semente da dúvida e da discórdia na população contra Jesus. Um dia, ciente do que os Fariseus faziam, Jesus lhes disse: Todo o reino dividido contra si mesmo será desolado; e toda cidade ou casa, dividida contra si mesma, não resistirá. Nesta passagem o Senhor Jesus nos dá uma aula de democracia. Primeiro, ele não defende a sua própria reputação, porque quem tem uma reputação honesta não sente a necessidade de se defender sob falsas alegações, principalmente quando elas não se sustentam pela lógica. Segundo, ele mostra o perigo que os Fariseus promoviam ao incentivarem a divisão na população. Os Fariseus eram um grupo político-religioso que sonhavam com a dominação completa sobre as outras seitas religiosas, em especial os Saduceus, e também com a expulsão dos romanos para que, enfim, pudessem governar toda a região. Eles temiam que Jesus arregimentasse adeptos e reivindicasse o trono, por isso promoviam a discórdia em torno dele. E o Mestre, muito mais evoluído do que eles, alertou-os para que não destruíssem Israel dividindo o seu povo. A história nos ensina, cuidado com aqueles que buscam dividir a população, incentivando a discórdia por meio da divulgação de informações falsas, ilógicas e até mesmo surreais. O ano está apenas começando…
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Tarciso de Assis Jacintho, Administrador de Empresas