Mauricio Ribeiro
É preciso estar atento aos sinais. Definitivamente, o efeito borboleta é uma tese que se confirma no nosso cotidiano; para muito além do que as teorias de conspiração sugerem. Tudo está interligado. E não é apenas por conta dos fenômenos ligados à globalização. A interconexão é uma realidade que permeia tudo que nos envolve.
Pela manhã, caminho do trabalho, ônibus lotado, ouvindo música para esquecer do gargalo do trânsito, percebo o burburinho dentro do coletivo. Uma moça está passando mal, gelada, ensaiando desmaiar. Com o fluxo parado, opiniões e sugestões dos populares, se devemos seguir direto ao pronto socorro ou acionamos o SAMU (que pelo jeito não vai conseguir chegar), surge uma viatura da Polícia Militar. Os oficiais adentram o ônibus, retiram os passageiros, acionam o 192 (que não vem, porque estão com uma viatura só, atendendo outra emergência em outro extremo da cidade) até que a moça desperta. Quadro de anemia, agravado pelo mal súbito no calor do aglomerado humano. Mas o que mais me impressiona é o alarido do “aglomerado desumano”: “não posso me atrasar”, “eu tenho que estar 8h no Centro”, “quem que justifica com meu chefe?”, e por aí vai. Triste rosário desfiado, de uma gente que não enxerga além do próprio umbigo.
Pra adotar uma linguagem de roteiro de cinema, “corta pra copa na hora do cafezinho”. Meia dúzia de colegas trocando ideia depois do almoço, mais parece a pauta do “Encontro” na Globo, eis que surge em meio aos escombros a onda de terremotos na Turquia e na Síria. E no meio do assunto, a sobrancelha arqueada, a testa franzida, e a pergunta que surge com um halo de poeira: “que terremoto”? Silêncio… Me viro pra lavar a xícara; vai que eu acordo em casa desse sonho surreal… É possível que alguém não saiba dos mais de 40 mil mortos? Não me refiro ao sertanejo do vilarejo sem energia elétrica, nem ao garimpeiro fugido da Federal no meio do nada verde. É gente com acesso a banda larga, pós graduação, acompanhamento em tempo real dos ganhos e perdas na bolsa… Triste bolha rompida, de uma gente que não sabe o que acontece do outro lado do mundo…
É um dia pesado. Volto pra casa absorvido pelas duas (e duras) experiências vividas. Tão imerso em minhas divagações, não me dou conta sequer da playlist que insiste em tocar pelos fones que teimam em cair dos ouvidos. Só quero banho, janta quente, boa conversa e cama. Deitado, buscando não me afetar pelos choques do cotidiano, os dedos buscando conteúdo fútil no Instagram (pra pelo menos não levar pros sonhos as mazelas dessa civilização), me chega uma postagem que impacta. Tela preta letras brancas, o mapa da Turquia em silhueta vermelha com o crescente e a estrela; e o texto que diz: “Algumas crianças que foram resgatadas depois de quatro dias sob os escombros disseram que não estavam com fome; pois um homem de branco veio e deu comida e água a elas. Você acredita em milagres?”. Agora posso dormir em paz. As peças se encaixam. Tudo faz sentido. Para além da indiferença humana e dos que seguem alheios à dor do próximo, há um D’us que interfere no tempo e no espaço; até mesmo onde nossos olhos e mãos e mentes e percepções não conseguem chegar
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Mauricio Ribeiro, jornalista, produtor cultural e coordenador da Associação Memorial Amigos de Sião