Lilian Lacerda
Desde o golpe de 2016, vivenciamos o acirramento dramático da crise civilizatória enfrentando simultaneamente a arrogância e o apetite voraz e a presença ostensiva da direita ultraconservadora na agenda política, a disseminação fake news com sua perversão, discursos de ódio, políticas de incentivo para porte de armas, além do retrocesso nas conquistas sociais.
Assim, o exercício pelo qual podemos introduzir uma reflexão sobre a ignorância que atualmente assombra a democracia brasileira é atravessada pela ausência de um alinhavo entre tecnologia, ciência e sociedade.
Decerto, tamanho potencial tecnológico, capaz de abastecer o mundo e fomentar bolsões de ignorância. A exemplo, tem-se a minimização de questões sociais como vacinar os filhos ou a opção do ensino doméstico. De outra parte obscurantismo negacionista com suas teorias desde a terra plana estendendo-se para as questões ambientais e climáticas. Representadas por civis que manifestam e defendem uma suposta liberdade de negar o processo de transformação cultural.
Há algo potente nesse encontro que atravessa o conteúdo histórico localizado nos eventos a reforçar o eco da valorização do conhecimento de como um alarme de incêndio: as crescentes manifestações de violências e o discurso de ódio expressos em nome da liberdade de expressão.
Torna-se urgente questionar os motivos que levam uma camada expressiva da população eleger representantes que endossam e disseminam a cultura da morte em suas formas mais brutais tornando-se um empecilho no desenvolvimento da consciência crítica.
O que vivenciamos no último domingo foi para além de atos antidemocráticos. Foram cenas descomunais de barbárie. Todavia, não basta considerar tais fatos como atos terroristas. É fundamental puni-los com severidade. E enquadrar os responsáveis e financiadores na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (2021), que prevê penas potencialmente aplicáveis a abolição violenta do Estado democrático de Direito e o golpe de Estado.
Talvez a maneira de compreender os atos e comportamentos antidemocráticos esteja em considerar a sociedade civil diverge na concepção do conceito de democracia e, provavelmente, os princípios e valores democráticos encontrem-se em risco justamente por tal pluralidade de significados contraditórios e divergentes.
Outro elemento não menos importante e presente na esteira de expressões antidemocráticas, é a articulação entre fundamentalistas cristãos – em maioria evangélicos – e o poder político.
O que presenciamos foi uma nova força na política representada por organizações e civis de ultradireita, cuja violência é cerne da mobilização. São fanáticos que vivem em uma realidade paralela sustentada pelo ódio e pela barbárie sustentados por uma narrativa ufanista tupiniquim cujos apelos são por intervenção militar, pelo fechamento do congresso e outras teorias conspiratórias.
Parafraseando Saramago, “tudo se discute neste mundo, menos uma única coisa: não se discute a democracia”.
Lilian Lacerda, doutora pela PUC-SP, psicanalista e pesquisadora.