Novembros sem Jaime Ovalle

Alexandre Bragion

 

É domingo na manhã do meu café. Chovem tristezas, desilusões, desesperanças. É novembro na manhã do meu domingo e me lembro que apesar do hoje já tive novembros felizes.

 

Já tive novembros-crianças, novembros de acordar com a casa cheia de vozes logo cedo, em movimento festivo, coletivo, vibração – latidos, conversas, buzinas, a vizinha no portão e um disco rodando felicidade na vitrola. Já tive novembros de amigos chegando inesperadamente, de gente gritando no andar de baixo do sobrado-vida: corre que o Joca está aqui e quer ver você!

 

Novembros cheiravam a festas esperadas, aniversários, antecipados natais em anti-vésperas de fim de ano e férias. Novembros eram de ver a rua do centro do meu coração em comércio de ilusão zanzado de gentes na calçada cheia. Novembros santos dos que subiam a Governador com uma árvore de natal recém-comprada na loja do seo Agenor.

 

Garrafas de cerveja e refrigerantes tiritando na sacola de feira eram novembros de meu pai chegando a pé do mercado, comentando que os preços estão pela hora da morte, que as pessoas estão cada vez mais mal educadas e que já é perigoso sair de casa até mesmo num domingo de novembro pela manhã, em Piracicaba.

 

Ai, novembros de meu pai, do desenho que faço de um pai que não fui nem nunca serei, com sacos de laranja-pera nas mãos, carne moída de primeira, batata, cenoura, um pedaço de acém, um naco de fumo, papel de palha, abacaxi, um bilhete da esportiva e a alegria viva de um gole mínimo de cachaça tomado dentro de casa antes do almoço.

 

Ai, novembros de ser pai que não sou nem serei. Novembros de Manuel Bandeira – que também não sou e muito menos jamais serei, mas que eu lia escondido quando menino no território proibido do escritório-paraíso de minha casa. Bandeira, socorrei-me! Livrai-me de meu lirismo falso que ruim, de minha poesia sem encarnação, sem Jaime Ovalle e sem canção.

 

Novembros do meu hoje, café solitário de domingos chuvosos, de chuva fina sem amores antigos para serem lembrados entre cinzeiros e cigarros enevoando dores e alguma resignação.

 

Domingos da manhã do meu café. Novembros que se abrem e doem dentro de mim como se doessem há séculos – e que sobrevivem apenas por não terem força nem competência para morrer.

 

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Alexandre Bragion, cronista deste matutino desde 2017.

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